domingo, 12 de abril de 2009

Gonçalves da Costa

T E M A

Comentário

Lirismo e poesia nesta página do poeta. Chocante pelo realismo em muitos momentos. Merece ser lida com atenção e analisados os seus conceitos. Muito forte a presença da personalidade intelectual do poeta, característica em seus trabalhos literários.

José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha – 64
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Os passos ficam na poeira dormente da tarde. Os passos me levam em busca de um tema. A própria poeira é um tema, porém um tema frio e árido - coração esmagado pelos desesperos do mundo. O sol que morre, apopléctico, vomitando amargura, é um tema, porém um tema já devassado nos primeiros dias da criação. Adão, nas tardes do Paraíso, com os olhos perdidos no ocaso, murmurou poemas indefiníveis.
Os ventos passam pela estrada, tristes como cães mortos de fome. Os ventos são temas imperecíveis, em cujas asas se perderam os aedos antigos, asas que trouxeram panoramas futuros para os olhos dos profetas. Um vento terrível sobe dos livros santos, bem como das grandes epopéias da humanidade. Os ventos loucos conduzem perfumes, mas também conduzem pestilência . . .
Há um tema putrefato, uma ave esmagada no caminho, a qual servirá de pasto às trevas que vêm descendo . . . Surgem mendigos vaporosos, olhos baixos, e se afastam - temas ambulantes que não devem ser tocados, sangram como feridas . . .
Vem, enfim, o maravilhoso tema, a noite, a estranha noite. Tema irmão gêmeo do caos, atroz e fascinante, esconde mundos de luz sob as roupagens de breu. E a noite me estende as suas fronteiras como uma paisagem de cânticos . . .
No seio do tema grandioso, no seio da eterna noite, apaga-se a idéia de tempo, esboroa-se a fatalidade das distâncias. O passado e presente brincam enlaçados sobre as areias infinitas, por onde cameleiros passam contritos, em direção aos despenhadeiros da morte. Nos plainos de verdura: as rosas tomam formas humanas, e choram de pena dos anjos decaídos, os quais, ao fundo, agitam os restos de asas devoradas por serpentes de chama. Passam visões rodeadas de estrelas, enquanto notas esparsas vão se agrupando na sombra, elevando-se em cânticos dolorosos, nos quais as virgens delirantes mergulham numa antecipação da glória . . . Do grande tema brotam temas melífluos, resplandecentes, e me sinto um viajor solitário, perdido na treva, perdido na luz, no alto da montanha, de onde se irradiam todos os destinos . . .