segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Deus e o destino do homem

Santo Agostinho



A forma inconseqüente e insana de agir na sociedade moderna, trouxe-me à mente a figura de Santo Agostinho. O grande pensador teológico, comparou o dinheiro mal usado como excremento do demônio.
Não é isso o que estamos, com muita tristeza, testemunhando em nossos dias, como comportamento político, social e familiar? Pouco, ou quase nada, se faz por amor. Espera-se sempre uma vantagem material. É esquecida a lição de Chamfort: “amour, folie aimable; ambition, sottise sérieuse (o amor é uma loucura simpática; a ambição, uma séria insanidade).
Livros de qualidade incontestável como a notável Grande Enciclopédia da Larousse Cultural, Lello Universal, Séguier, registram que Santo Agostinho, doutor da igreja latina (Tagasta, hoje Souq – Ahras, Argélia, 354 – Hipona, Numídia, 430), romano da África, permaneceu muito tempo alheio à igreja, embora fosse filho de Santa Mônica, buscando nos prazeres carnais e nas seduções de maniqueismo uma resposta à sua inquietude. Sob a influência do bispo Ambrósio, em Milão, converteu-se, sendo batizado em 387. Voltando a África, se desfez de seus bens para promover, com alguns companheiros, uma forma de vida cenobítica, experiência que manteve como bispo e que lhe permitiu elaborar, para uso dos religiosos, aquela que seria chamada a regra de Santo Agostinho. Ordenado padre, depois eleito bispo de Hipona (396), cidade onde morreu durante o cerco dos vândalos. Agostinho exerceu papel preponderante na Igreja do Ocidente. É imensa a sua obra escrita, destacando-se A Cidade de Deus (413-427). As Confissões (397), o tratado Da Graça e sua correspondência pessoal. Adversário das doutrinas heterodoxas (maniqueismo, donatismo, pelagianismo, etc.), Agostinho foi um pregador incansável (mais de 400 sermões) e ao mesmo tempo exegeta e teólogo. Seu pensamento está centrado em dois pontos essenciais: Deus e o destino do homem. Os grandes temas agostinianos (conhecimento e amor, memória e presença, sabedoria) dominaram a teologia ocidental até a escolástica tomistica. É festejado em 28 de agosto. No século VII, com fundamento em suas pregações, foi fundada a Ordem dos Agostinhos, de religiosos mendicantes, e que o papa IV reuniu em 1256 numa única corporação. Os frades Agostinhos tiveram muitos seminários em Portugal e Ultramar.
Uma passagem de São Paulo - não passeis a vossa vida nos festins e nos prazeres da mesa . . . mas inspirai-vos em vosso Senhor Jesus Cristo e evitai satisfazer os desejos desregrados da carne - teria levado Agostinho a abandonar a vida de dissipação que levava.
O competente jornalista José Bento Teixeira de Salles na sua coluna História do Dia, publicada no jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte (MG), sob o título Insondável Mistério relata-nos: “Certa vez, o sábio cristão (referia-se a Santo Agostinho) andava pela praia, meditando sobre a extraordinária grandeza do mistério da Santíssima Trindade. Como entender, na lição dogmática da Igreja, que o sondável mistério da trina unidade se resume na simplicidade da frase singela que aprendemos no Catecismo: ‘Três pessoas distintas em uma só verdadeira?’. Entregue a suas meditações sublimes, o Bispo de Hipona vê um garoto agachado, fazendo um buraquinho na areia da praia. Detendo-se, Santo Agostinho pergunta-lhe por que razão ele estava fazendo aquele buraco.
Candidamente, o menino responde:
- Para ver se consigo por toda a água do mar neste buraco.
O Santo retrucou:
- Fazer isso é mais facil que entender o mistério da Santíssima Trindade.”

Pérolas de Santo Agostinho sobre o comportamento humano

* O pior dos homens é aquele que, sendo hipócrita, quer passar por bom; sendo infame, fala de virtude e de pundonor.
* A verdade é doce e amarga. Quando é doce, perdoa; quando é amarga, cura.
* Unidade nas coisas necessárias, nas duvidosas liberdade, e caridade em todas.
* Com caridade o pobre é rico; sem caridade o rico é pobre.
* Humano é errar; perseverar voluntariamente no erro é diabólico.
*É muito mais importante aprender-se coisas úteis do que coisas admiráveis.
* Creio porque é absurdo.
* A simulação de humildade é soberbia.
* Desconhecer o mal nem sempre é um mal.
* Quando oramos, falamos com Deus. Quando lemos, é Deus quem fala conosco.
* O que sobra aos ricos é patrimônio dos pobres.
* O mau é um malfeitor de si mesmo.
* A busca ansiosa por novidades leva o homem a extremas angustias.
* A vida feliz não pode ser outra que a eterna, onde não há muitos dias felizes, senão um só.
* A virtude é a arte de viver bem e com retidão.
* Nada está tanto em nosso poder como a nossa vontade.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Ícones da Igreja de Pedro

EXEMPLOS DE VIDA


A Editora Publicações de Ouro, do Rio de Janeiro, organizou uma primorosa coleção de livros sob o título Clássicos de Ouro Ilustrados. Na coleção temos entre outros os seguintes: História da Morte no Ocidente, de Philippe Aries, abordando o comportamento humano diante da morte na sociedade cristã, sob o ponto de vista histórico e sociológico, abrangendo o período que vem desde a Idade Média até os nossos dias; História, que num único volume nos traz as nove Histórias de Herédoto, abrange os dois séculos que precedem guerras e contam os principais episódios do conflito greco-persa, dando destaque as vitórias gregas.; Alexandre e César, de Plutarco, que através do confronto estabelece semelhanças e diferenças entre os heróis gregos e romanos, iguais em valor, que no império coexistiam em dois mundos, duas culturas, com tradições, valores e mitos distintos; de Tolstoi foi publicado O que é Arte?, com muitas ilustrações, uma obra polêmica, na qual o autor expõe suas idéias e pensamentos.
O preâmbulo se justifica para uma abordagem da obra de G.K. Chesterton sobre São Francisco de Assis, a espiritualidade da paz e São Tomás de Aquino, as complexidades da razão.
São Francisco era um homenzinho físicamente frágil e ativo, magro como um barbante e vibrante como a corda de um arco, e, em seus movimentos, parecia uma flecha saindo do arco. Toda a sua vida foi uma série de saltos e carreiras: disparar atrás de um mendigo; ir depressa, despido para a floresta; entrar escondido no navio desconhecido, aparecer de repente na tenda do sultão e oferecer-se para se jogar no fogo. Em termos de aparência, ele deve ter sido como uma folha outonal esquelética e fina, amarronzada, dançando eternamente no vento, mas a verdade é que ele era o próprio vento.
São Tomás era um homem imenso e bem sólido, gordo, lento e de gestos controlados; muito amável e magnânimo, mas não muito sociável; tímido, mesmo se ignorarmos a humildade do santo; e distraído, mesmo sem levar em conta suas casuais, e cuidadosamente escondidas, experiências de êxtase ou de transe. São Francisco era tão agitado e até irrequieto que os eclesiásticos diante dos quais ele de repente aparecia julgavam-no louco. São Tomás controlava tanto suas emoções que os professores da escola que ele freqüentou regularmente o julgaram tolo. Na verdade, ele era o tio do aluno, não incomum, que preferia ser um tolo a ter seus sonhos pessoais invadidos por tolos mais ativos ou animados. Esse contraste externo alcança quase todos os aspectos dessas duas personalidades. O paradoxal em São Francisco era que, não obstante sua paixão por poema, desconfiava bastante dos livros. O que havia de notável a respeito de São Tomás era sua adoração pelos livros, sua vida dedicada aos livros. Ele levou exatamente a vida do estudioso de Os Contos de Cantuária, de Geoffrei Chaucer, que preferia ter mil livros de Aristóteles, e sua filosofia, do que qualquer riqueza que o mundo pudesse lhe dar. Quando lhe perguntaram o que mais tinha a agradecer a Deus, ele respondeu simplesmente: “Entendi todas as páginas que li”.

Um incidente eleitoral

EMBATE POLÍTICO JUSTIFICA ?


Já entrado em anos, Antunes vivia sozinho em uma casinha suburbana daquela cidadezinha tranquila e pacata.
Participava intensamente da vida social, política e religiosa. Era de muita valia a sua ajuda ao operoso vigário Emanuel nas muitas obras sociais que se estendiam por todo o município de extensão territorial enorme. Imbuído do espírito de Ozanam constituía-se na viga mestra da obra vicentina : construção e reforma de casas para os pobres; ajuda alimentar com a distribuição de cestas básicas; medicamentos, leite e assistência médica, contando para isso, com o espírito cristão e solidariedade humana do médico Orozimbo Vieira Marques de Souza , que segundo se dizia descendia de família nobre.
Antunes estava umbilicalmente ligado ao chefe político Macedo participando do diretório municipal da agremiação presidida pelo amigo e com forte presença nas campanhas eleitorais. Apesar de muitas tentativas jamais se elegera para qualquer cargo público o que o deixava muito frustrado e revoltado. A sua não-eleição causava até estranheza por se tratar de um cidadão probo e muito prestimoso, principalmente para os segmentos menos favorecidos da população. A explicação, para alguns, estaria na sua incontinência, irreverência verbal e espírito explosivo. Pensava em voz alta e as suas maledicências certamente repercutiam junto ao eleitorado. Falava tanto que acabava por magoar profundamente até aos seus mais próximos amigos e companheiros. Verdade deve ser dita era um homem íntegro, a sua palavra tinha maior valor que qualquer documento com firma reconhecida e registrado em cartório, com avalistas e tudo.
A cidade festejara, recentemente, a posse de um novo Juiz de Direito, cidadão muito educado e de cultura invulgar Estava-se em um ano eleitoral razão porque o Tribunal Eleitoral atendeu com presteza a solicitação de um juiz feita pelo prefeito municipal que desejava eleições com absoluta normalidade. A verdade é que a cidadezinha pacata se transformava por ocasião de eleições, principalmente as municipais. Os ânimos se exaltavam e desentendimentos ocorriam até entre amigos e parentes gerando muitas vezes conflitos incontroláveis.
Antunes, homem de poucas letras, havia sido designado para representar sua grei partidária perante a Justiça Eleitoral pelo seu desembaraço no trato com as pessoas e, até quem sabe, pela fama de não levar desaforo para casa. A indicação foi considerada por alguns dos correligionários muito temerária atentando-se para o fato de que até os mais doutos encontravam dificuldades na correta interpretação das leis e normas eleitorais. O que se dizer, então, de um pobre homem semi-analfabeto.
Aquele dia um apaixonado cabo eleitoral levou a Antunes algumas fofocas solicitando-lhe providências imediatas junto ao juiz. Na ótica do cabo eleitoral , o seu partido estaria sendo prejudicado.
Antunes, no seu habitual estabanamento, saiu à procura do Juiz. Reclamou muito, em altos brados, ao ser informado que deveria esperar já que o meritíssimo estava presidindo uma audiência. Concluída esta o juiz, paciente e educadamente, passou a ouvir as queixas de Antunes.
Ao término da exposição disse-lhe que sua reclamação não procedia. À luz das leis e normas eleitorais vigentes não havia quaisquer infração que justificasse medidas punitivas ou coercitivas às ações desenvolvidas pelos adversários do seu partido.
Antunes, não aceitou a decisão do juiz e se pôs a falar muito exaltado, bem ao seu estilo desequilibrado emocionalmente. O juiz, então, energicamente, para dar um fim ao diálogo que se tornava bastante desagradável, chamou a atenção de Antunes, advertindo-o : - Senhor Antunes, veja bem a diferença que nos separa. Antunes, deu um passo atrás, olhou para o juiz de alta a baixo, e retrucou:: - Um metro, Doutor ! . . .

domingo, 20 de janeiro de 2008

Mentira

COMPORTAMENTO HUMANO



A história registra no correr dos anos a disseminação generalizada da mentira. No último século a prática passou a ser adotada de forma vergonhosa também por alguns antes considerados ilustres homens públicos. Os objetivos: o enriquecimento com dinheiros públicos e recursos alheios e a ampliação de poder sob todos os aspectos.
Percorrendo os pensadores ilustres da cultura mundial deparamos muitas constatações, muitas conclusões e muitos ensinamentos.
Vittório Alfieri, em Virginia, alerta-nos para o fato de que “os mentirosos estão sempre dispostos a jurar”. Pode-se acrescentar sem nenhum receio de erro: Poucos porém, salvo os mais crédulos, levam-nos a sério.
Pierre Corneille, em Le menteur, segue as pegadas de Alfieri quando afirma que “o mentiroso é sempre pródigo em juramentos”.
Afirma Geoffrei Chaucer, que “um homem não mente sequer com a metade da audácia de uma mulher”. A generalização é bastante perigosa de vez que tem que se reconhecer que existem mulheres e MULHERES.
Para Arturo Graf, em Ecce Homo, “não há no mundo um mentiroso tão perfeito que possa dizer uma mentira perfeita”.
F. Rückert, leciona: “aquele que mente uma vez, acostuma-se a mentir muitas vezes; já que para ocultar uma mentira faltam outras sete”.
Young, em Thougts on various subjects, testemunha: “aquele que fala uma mentira, não imagina a carga que assume, já que pode se ver forçado a inventar outras vinte para manter a primeira.” Realmente, não é isto que ocorre ?
Em épines pour une fleur, C. A . D’Houdetot, afirma com muita convicção: “a mentira não engana senão quem a diz”.
Goethe, com a autoridade de um dos maiores vultos da intelectualidade universal, humildemente diz: “todo o mundo pode reconhecer quando me equivoco, porém não quando minto”.
Tácito, em Annales II, deixou para a posteridade a lição: “a verdade se robustece com a investigação e a dilação; a falsidade, com a precipitação e a incerteza”.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Lições de Vida

Amizade


Personagens: Dionysio o Moço, tirano de Siracusa, cidade da Sicilia, Itália, filho e sucessor de Dionysio o Antigo, em 368 a. J.C.
Damão e Pythias, filósofos pitagóricos, célebres pela amizade, que os unia.

O fato

Tendo Pythias, condenado à morte, pedido ao tirano Dionysio lhe concedesse algum tempo para arranjar os seus negócios, ofereceu-se Damão para morrer em lugar do seu amigo, se este não estivesse de volta no momento fixado. Chegou a hora do suplício e Damão ia ser executado, quando Pythias se apresentou. Dionysio, comovido de tamanha dedicação, perdoou o condenado e pediu, mas em vão, aos dois filósofos, que o admitissem como terceiro na sua amizade.

Um tema para reflexão

Amizade é um tema realmente muito interessante para reflexão e debate, ao estilo dos gregos da era de Sócrates, Platão, Aristóteles, Glauco e Adimanto, estes, irmãos mais velhos de Platão . . .
Cícero tratou do assunto de forma magistral em sua obra De amicitis. Fala-nos que “O primeiro princípio da amizade, é pedir aos amigos só o honesto, e só o honesto fazer por eles.” Augusto Comte, em Pensées et précepts, afirma que: “Só os bons sentimentos podem unir-nos; o interesse jamais forjou amizades duradouras.” Fedro, em Fábulas adverte que: “O nome de amigo é corrente, porém a fé na amizade, rara.”
Nas mais diversas atividades humanas deparamos com exemplos edificantes da mais sólida amizade e do bem querer.
Na vida pública mineira um exemplo temos na amizade que uniu Milton Campos e Pedro Aleixo; entre os escritores, Fernando Sabino (1923-2004), Otto Lara Resende (1922-1992), Hélio Pellegrino (1924-1988) e Paulo Mendes Campos (1922-1991), que se intitulavam “os cavaleiros do apocalipse”, amizade essa perenizada em estátuas inauguradas em 11 de outubro de 2005, pelo governador Aécio Neves, em Belo Horizonte, na Praça da Liberdade; em Raul Soares, um forte exemplo de amizade uniu Gerardo Grossi e Wilson Damião.
A sinceridade é o principal elemento de uma verdadeira amizade.
Chamfort, em Maximes et pensées, afirma que “em grandes coisas os homens se mostram como lhes é conveniente mostrarem-se; nas pequenas se mostram como verdadeiramente são.”
Um desvio de conduta que impossibilita uma verdadeira amizade é a dissimulação.
Homero, na sua monumental obra Íliada, declara sem meios termos ser “odioso, como a porta do inferno, aquele que guarda em seu coração uma coisa e diz outra.” Machiavelli, de Florença, que foi ao mesmo tempo um grande patriota e um grande escritor, no seu livro Príncipe, uma de suas obras mais conhecidas, registra com muito vigor: “todos vêm o que tu aparentas; poucos notam o que tu és.”
No livro dos livros – A Bíblia Sagrada – interessantes e fortes conceitos estão presentes em alguns momentos, como em Mateus, cap. 10, versículo 36: “Et inimici eius demestici eius” (Em suma: os inimigos do homem serão os seus próprios familiares). Justifica-se, assim, o ocorrido na família de Isaac e Rebeca, quando por um prato de lentilhas, Esaú, a quem a Bíblia faz o pai dos Edomitas, vendeu ao irmão gêmeo Jacó, os seus direitos de primogenitura?
Que inspiração o fato trouxe a Machado de Assis para produzir uma das suas mais belas criações literárias ! . . . Na versão de Machado de Assis, Pedro e Paulo são os nomes dos gêmeos.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Um ballet singular

LIRISMO EM UMA TARDE MÁGICA



Dia desses, em um fim de outono - quase inicio de inverno - no Grande Teatro da Natureza mais um ato de beleza e encantamento e de simplicidade tocante e envolvente aconteceu em um jardim anônimo e desconhecido.
Borboletas - muitas - multi-coloridas, qual um bando de guris travessos e irreverentes, produziam inusitado espetáculo de cores e coreografia.
Caminhando lentamente por aquele pequeno e querido espaço, o velho quedou-se absorto a observar os matizes das cores que se desenhavam aos seus olhos embevecidos, como moldura à evolução ágil e alacre dos pequenos lepidópteros.
Certamente, o estado de ânimo de que se achava possuído naquele momento colaborou para o seu maior êxtase.
Timidamente, também fascinada e eletrizada pela cena, a criança aproximou-se, silente.
O inesperado e a beleza da visão a empolgavam.
No ballet das borboletas aconteciam volteios, sem atropelos, sem colisões, apesar da incrível rapidez das evoluções, como que previamente treinadas e ensaiadas.
De repente a criança teve a sua atenção voltada para uma borboleta solitária.
Fora do grande baile, a coitadinha arrastava-se pelo chão com muita dificuldade.
Asa caída. Sem equilíbrio. A frágil borboletinha lembrava um desfilante de escola de samba em uma noite de muita chuva; com a fantasia encharcada, pesando toneladas; mal podendo sustentá-la; passos trôpegos e tolhidos.
Exclamação de espanto e de quase dor, levou a criança a um patético apelo : - Vô, ajuda ela ! ajuda ela ! . . . Ela tá pedindo ! . . .
Na sua caminhada capenga, a borboletinha alcançou o sapato do velho e encetou uma lenta e dolorosa caminhada pela sua perna, sobre a calça.
À medida que subia, tornava-se ágil e ativa . . . - Vô, ela vai te beliscar ! . . .
Parada por alguns momentos, quase inerte, à altura da cintura do velho,inesperadamente alçou vôo, aparentemente recuperada, desaparecendo aos meios aos volteios das borboletas.
A criança entusiasmada, festejou : - Vô, você sarou ela ! . . .
O velho sorriu, e matutou : - Como seria o homem mais feliz se se despojasse de mesquinharias e ambições menores, amarras poderosas que o tornam escravo de convenções impostas de onde, por quem e para que não se sabe ao certo, alheando-lhe à beleza das coisas simples do seu dia-a-dia, fontes singulares de vida e realização plena.


o o o


Sorridentes e satisfeitos - o velho e a criança - de mãos dadas, afastaram-se daquele sítio mágico, não sem antes lançarem um último olhar, por alguns momentos, como a se despedirem agradecidos do grande espetáculo.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Pico da felicidade

DESTINO OU FATALIDADE ?


O dia surge irradiando luz. Tudo é alegria. Contaminado por tal espetáculo Pedro se sente um homem feliz. Feliz somente, não ! . . . Felicíssimo. . . Assustou-se mesmo por se sentir tão predisposto à alegria. Dizem que quando se está assim algo de desagradável está por vir. Ora ! . . . Ora ! . . . Bobagem ! . . .
8h. - Pedro sai para o escritório. Assobia uma sonata, uma valsa ou seria uma tarantela?, confesso que não consigo lembrar-me . . . É feliz, enfim, o nosso boníssimo Pedro. No escritório inicia o trabalho com disposição e entusiasmo. Os mais complexos problemas, tornam-se banais nesse dia maravilhoso.
12h. - Almoço. Tudo corre às mil maravilhas.Sim senhores, que dia ! . . . que dia ! . . .
13h. - Pedro retorna ao escritório. Viaja hoje. Não pode perder tempo. E o bilhete? Qual companhia? Pluma, Real, Cruzeiro do Sul, Aerovias. Real; sim, Real. Ótima companhia. O telefone à mão : - - Alô ! Um bilhete no avião das 17h para São Paulo. Como?. . . Como ? . . . O vôo está lotado? . . . Que maçada ! . . . Pedro precisa fazer a viagem impreterivelmente hoje. (Telefone para outra companhia, homem!. . . ) - Alô. Ahn. . . Como ? . . . Sim. . . Sim. . . Ótimo ! . . . Que sorte ! . . . O Manoel, sabe?, o Manoel, o Manoel do Bazar das Novidades desistira da viagem. Cederia o seu lugar. Que coincidência estar ele na Real justamente agora. Tudo resolvido. Viajará hoje.
15h30 - . . . Onde está aquele contrato que deverá levar ? E a pasta, onde o colocou ?. . . Negócios . . . Negócios . . .
16h40 - O aeroporto está movimentadíssimo. Como viajam de avião!. . . . Aviões partem. Aviões chegam. Que confusão ! . . . Lá está Pedro. Que elegância ! . . . Sujeito feliz . . .
- Passageiros da Real para São Paulo ! Queiram se dirigir ao portão 5. Tomem os seus lugares e boa viagem.
Lá vai Pedro.
Pedro lança um olhar para o horizonte. Chi ! . . . O tempo está ficando brusco. Nada acontecerá meu caro Pedro. O dia hoje é seu. Não tenha receios vãos. Ei-lo a bordo da aeronave. Avião superconfortável. . .Não, Pedro ?... O homem está absorto na leitura de uma revista. Passageiros todos a bordo. Portas hermeticamente fechadas. Tudo rigorosamente revisto. Os motores roncam e o pássaro metálico roda pela pista. Alça vôo. Que decolagem ! Piloto formidável! Não acha, Pedro ? Diabo! . . . O homem não para de ler. Larga esta revista, ó homem !. . . Ahn! . . .
Pedro olha pela janela. Assusta-se com as nuvens ameaçadoras que toldam o céu. Um dia tão feliz ! . . . Não ! . . . Não pensa asneiras, ó Pedro. Não haverá nada. E se houver ? Ora, se houver . . .Não pensemos nisso.
O avião corta o espaço tranquilamente.
17h5 - Eta hora que não passa ! . . . Pedro se impacienta. Tenha calma, homem ! . . .Uff ! . . . Que susto ! . . . Um vácuo, e quê vácuo ! . . . O avião parecia despencar-se. O pior, no entanto, está por acontecer. Veja que temporal se nos avizinha. Pedro, cadê a sua sorte ? Pedro se assusta. Pedro treme. Pedro sua. Pedro murmura : - Não viajo mais de avião. . . É sempre assim. Da última vez foi a mesmíssima coisa. O avião caminha ( ou voa, como queiram) para a zona conflagrada. Trovões. Relâmpagos. O danado salta como um animal bravio. Atinge o ponto crítico do temporal. Ou, o olho do furacão, como se costuma dizer. Que coisa horrível. Os passageiros temerosos murmuram : - Vamos rezar! . . . Não acontecerá nada! . . .Tudo passará ! . . . Reinará a bonança ! . . . Não existe o provérbio ? . . . Ora, deixemos de lado as especulações.
A situação piora. Oh! . . . Que houve ? ! O avião dá como um giro sobre si mesmo. Ouve-se um barulho tremendo. Impacto com algo invisível ! . . . Uma montanha. . . Pico da Felicidade ! . . . Ironia do Destino ! . . . Gritaria infernal ! . . . Pandemônio: - Quebrei a perna ! . . . - Estou morrendo ! . . . - Onde está meu filho ? . . . Onde está Pedro ? . . . Terá morrido ? Não ! . . . Lá está ele. Como ri ! . . . Pedro, que é isso homem ? Não é hora de gargalhar. Você precisa chorar. Pedro, no entanto, explode em gargalhadas sobre gargalhadas. Que balbúrdia ! . . . Fogo, chuva, gritos, mortes. . . Não sofreu nada Pedro ? A sua resposta é uma gargalhada terrível. Pedro não nos ouve. Algazarra medonha. Dura minutos, segundos, horas. Perde-se a noção do tempo ! . . .
. . . Agora, tudo cessa. Já não há mais alarido. Já não se ouve o crepitar do fogo. . . Nem gemidos . . . Nada . . . Parece um cemitério. Parece? . . . E esta coruja a piar lugubremente? . . . Sai daí bicho ! . . . Silêncio completo ! . . . Silêncio tumular ! . . .
Um novo dia nasce.Que belo dia ! . . .Que sol ! . . . Pedro nada disto admira. Não suportou o espetáculo que lhe fora proporcionado pelo Destino. Não foi encontrado tampouco. Saiu a correr desabaladamente. . . Sem destino. . . A gargalhar . . . a gargalhar . . .

Ganharás a vida com o suor do teu rosto

TRABALHO, DÁDIVA DIVINA



Aristeu, um pequeno produtor rural, tinha uma luta dura no seu torrão.
Iniciava a jornada diária de trabalho bem antes do nascer do sol e ao pôr do sol ainda estava na lida.
Ordenha de vacas . . . limpeza de curral . . . o milho para o moinho . . .
Da sua terra ele tirava alimentos : arroz, feijão, milho, leite, mandioca. De seu pequeno pomar : laranja, limão e outras frutas.
Sobrevivia, apesar das muitas canseiras e desafios.
Eurípedes, um conhecido de Aristeu, há muito tempo vinha azucrinando a sua paciência e colocando dúvidas em sua cabeça.
Dizia que Aristeu deveria imitá-lo; vender o sítio e aplicar o dinheiro em uma caderneta de poupança, em CDB’s e outras coisas das quais Aristeu jamais cogitara e nem sequer sabia existirem.
Falava Eurípedes que o seu dinheiro estava no banco rendendo polpudos dividendos. As suas canseiras no duro trabalho do campo, sem a devida remuneração e reconhecimento da sociedade, se tornaram coisas de um passado renegado
Trabalho duro, é coisa para burro, dizia Eurípedes.
De tanto ouvir aquela lengalenga as convicções de Aristeu ficaram abaladas.
Afinal, estava sozinho no mundo, sem mulher, sem filhos e nada justificava tanta luta por tão pouco. Para quê ? . . .
Naquela segunda-feira, Aristeu estava no Banco do Brasil, para pagar o ITR de suas terras, e alí se encontrou com Eufrásio, um amigo de longa data e seu vizinho, proprietário do “Sítio da Alvorada”. A luta de Eufrásio, a exemplo do que ocorria com Aristeu, também era muito dura. Contudo, ele não esmorecia.
A última conquista de Eufrásio fora a inauguração da sua pequena fábrica de aguardente. A cana que lhe servia de matéria prima ele a colhia do canavial que havia plantado no sítio, assessorado pelo Dr. Venâncio, da EMATER.
Eufrásio fez muita festa ao se encontrar com o amigo Aristeu dizendo-lhe que estava programado para o domingo seguinte um almoço em sua casa, comemorativo do aniversário de seu casamento. Convidou, então, ao amigo, para que comparecesse, participando de sua festa. Seria coisa simples, somente com a presença de familiares e amigos mais chegados.
Aristeu recebeu o convite com alegria prometendo comparecer.
No domingo aprazado lá estava Aristeu junto ao amigo Eufrásio, a família e demais convidados.
Foi uma festa de alegria contagiante. Muitas variedades à mesa farta, preparadas com muito carinho e competência por Efigênia, mulher de Eufrásio, e as filhas Edvalda e Conceição.
Terminando o almoço, Aristeu permaneceu na varanda da casa, animado em um bate papo que se estendeu até a tarde.
O assunto predileto foi a política já que aconteceria nos próximos meses as eleições municipais. Combinaram reunir forças para exigir dos candidatos um compromisso firme visando melhorar as estradas vicinais que por ocasião das últimas chuvas tinham sofrido sérios desgastes, ainda não recuperados.
Ao se despedir, já bem a tardinha; quase noite, Aristeu foi insistentemente convidado por Eufrásio para que antes fosse com ele conhecer as instalações da fábrica de aguardente de que já lha havia falado; a poucos passos da casa.
Aristeu aquiesceu, e lá se foram eles em direção ao galpão da fabriqueta.
Foi aí que Aristeu decidiu abordar Eufrásio sobre uma proposta que lhe fizera para compra de seu sítio feita havia pouco tempo.
Eufrásio confirmou o interesse, ainda mais que agora estava a necessitar de mais terras para o plantío de cana.
De conversa em conversa acabaram por fechar o negócio.
Dias após estavam no cartório, e fizeram a escritura no Escrivão Epaminondas, documento este imediatamente registrado por Eufrásio no Cartório de Registro de Imóveis. Tinha em alta conta o que de certa feita lhe dissera o Tabelião Reginaldo : Só é dono quem registra. Por isso jamais adiava a providência legal asseguratória de seus direitos sobre os imóveis que adquiria.
Com o dinheiro na mão, Aristeu procurou logo um estabelecimento bancário para aplicação do dinheiro que na sua concepção lhe traria rendimentos suficientes para uma vida tranquila e sem as canseiras do trabalho no campo que ele passara a abominar.
Em verdade, a vida de Aristeu sofreu muitas transformações. Passou a morar em um apartamento, no Hotel dos Viajantes. Comprou roupas e sapatos novos. Completou o seu visual com um corte de cabelo moderno no salão uníssex, do Adalberto. Fez desaparecer os cabelos grisalhos, com o Grecin, recomendado pelo farmacêutico Hermenegildo, da “Drogaria Avenida”. Fez as unhas na manicura Marly. O matuto Aristeu se transformou em um dandy. Quem o conhecera antes, dificilmente o reconheceria agora.
E os dias se passaram . . .
Uma notícia na televisão deixou Aristeu perturbado e muito apreensivo.
O governo havia tomado algumas medidas drásticas na área econômica para acabar com a inflação.
Aristeu ficou sabendo que os rendimentos das aplicações financeiras seriam reduzidos a tão somente meio por cento ao mês. Inicialmente, não acreditou. Rendimentos de mais de quarenta por cento ao mês baixarem, como num passo de mágica, para apenas meio por cento ? . . . Não podia ser ! . . .
Acontece, porém, que essa era a realidade.
Nos meses seguintes, entre desesperado e absorto, Aristeu viu as suas economias minguarem obrigando-o a deixar o apartamento do hotel em que passara a morar na doce fase de homem rico. Passou, então, a ter como nova morada um pequeno quartinho na periferia da cidade, em companhia de um amigo com o qual rateava a despesa de aluguel e manutenção.
Mas, as coisas foram piorando de tal sorte que Aristeu decidiu procurar pelo amigo Eufrásio, dono das terras que haviam lhe pertencido.
Hoje, Aristeu, pode ser encontrado novamente no “Sítio da Alegria”. Trabalha como campeiro de Eufrásio.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A estrela oracular

O SOBRENATURAL EXPLICA



Estrela Matutina é uma cidade dos sonhos . . . uma cidade-poema . . .
O seu nome teve origem na presença no seu céu de uma minúscula estrelinha de cintilação indescritível.
Não são poucos, naquela bela cidade, aqueles que acreditam que as variações na luminosidade da estrelinha seriam indicativos e orientação segura para o dia que se iniciava.
A sua não aparição sinalizava, com toda certeza, catástrofes penalizando pessoas e negócios.
Um verdadeiro oráculo . . .
Tornou-se lenda.
De manhã, na cidade-poema, na palavra do poeta “sopra com vivacidade a brisa, com um hálito perfumado de brando calor.”
Às tardes, um alarido alacre de atrevidos pardais mistura-se com os toques das ave-marias.
Nas noites “o silêncio, quebrado tão somente por estrupido cadenciado da cavalgadura ou pelo grito longínquo de algum animal noturno.”
A gente de Estrela Matutina é uma gente feliz . . .
Há calor humano, e muita solidariedade entre eles.
A cadeia pública, sequer chaves ou cadeados tinha. Não precisava. A sua existência devia-se apenas a necessidade de satisfazer exigências constitucionais e penais. Cidade sem cadeia, é inconcebível. Não poderia existir. Assim estava escrito no processo de emancipação do antigo distrito de Cachoeira Alta que virara Estrela Matutina.
Normalmente, não havia presos, nem a quem prender. Freqüentadores da cadeia, com uma certa freqüência, só dois : O Xico Pinguço, Xico com “x” mesmo como ele escrevia; e o João Caninha. Os motivos é fácil imaginar pelo simples enunciado dos nomes. Chegavam à cadeia entorpecidos pelo álcool, levados pelo soldado Eustáquio, único guardião da lei naquelas paragens. Dormiam por algumas horas, lavavam e enxugavam a cara, voltando novamente às ruas para iniciarem um novo ciclo de libações alcóolicas. O etilismo dominava-os, como um mal congênito. Vez por outra, Eustáquio também rendia sua homenagem ao Deus Baco. Temia-se em tais ocasiões, o caos na cidade. Se coincidam os porres, o lugar ficava “sem a ordem legal e a segurança”, representadas por Eustáquio. Felizmente, as bebedeiras de Eustáquio , além de muito esporádicas não eram em excesso, para não prejudicar ainda mais aquela manifestação de úlcera que o acometera há algum tempo.
Xico Pinguço e João Caninha cultivavam um hábito : Jamais deixavam de estar presentes aos velórios. Andavam quilômetros, se assim fosse necessário, mas registravam presença. Aos sepultamentos, nem sempre compareciam. O motivo ? A noitada do velório, que não os deixavam em condições físicas para esta proeza. A razão é que, além do indefectivel café, bem forte para espantar o sono, tinha-se sempre com fartura saborosas quitandas caseiras, preparadas pelo anfitrião, se me permitem assim me expressar, e também . . .
. . . a branquinha . . . aquela da cabeça. . .
Matutinense que se prezasse jamais deixava de ter em casa uma boa quantidade de garrafas para as ocasiões especiais : noivados, casamentos e . . . velórios.
Certa tarde Xico Pinguço estava lá para as bandas de uma das fazendas de Abdala Rachid, em visita a um amigo, quando tomou conhecimento de um acidente terrível. Um boi, parece que enlouquecido, havia atingido o peão Sebastião - o Tião - amigo muito querido de toda a população, e as conseqüências das chifradas e pisadelas do pesado animal foi a morte do pobre trabalhador. O proprietário das terras - o Abdala Rachid - de quem já lhes falei, era um homem de muitas posses. Além de grande fazendeiro era também comerciante e industrial de sucesso. Tinha fama de grande financista. Modestamente, porém, dizia que sabia apenas medir a água e o fubá. Por isso tinha enricado. É certo que não faltavam comentários maliciosos de alguns despeitados - e como os há sempre - que punham dúvidas sobre a trajetória de Abdala em seus negócios em busca de fortuna.
Abdala já não era um homem jovem. Insidiosa moléstia - um câncer de que procurava sempre não falar - minava a sua saúde fazendo com que ele já não tivesse o vigor e a mobilidade necessárias ao acompanhamento de seus variados interesses empresariais. Completo repouso, recomendava o seu médico e amigo, o competente Dr. Alberto Filgueiras de Nascimento Alves. Na área rural, o peão Tião, era o braço direito de Abdala. Por isso, poderão imaginar a extensão da tragédia que representava o acidente fatal que vitimou o peão. Xico Pinguço, sempre solícito às mais variadas tarefas, nem esperou que alguém lhe pedisse para levar a notícia para Abdala. Partiu rápido.
Já era noite fechada quando chegou à casa de Abdala que se localizava em uma das ruas das mais tranqüilas, da sempre tranquila cidade. Xico tentou abrir o portão. Estava fechado. Sem outros recursos para atingir os seus objetivos, Xico, do meio da rua, passou a gritar por Abdala que demora a atender. Aparentemente, já deveria estar a dormir ou, talvez, percebendo a voz de Xico, retardava propositadamente o atendimento na esperança de que ele desistisse e fosse embora.
Xico, insistia . . .
Assustado, esfregando os olhos e resmungando muito Abdala foi até à janela que geralmente deixava aberta - para entrar ar, dizia.
Esculhambou o pobre Xico pelos seus excessos. O seu berreiro ecoava por toda a rua, agressivamente aos ouvidos de todos, trazendo muitos às janelas para constatar o que estava a acontecer
Como agravante, a iluminação estava deficiente naquela noite. Ocorrera algumas anormalidades, ainda não sanadas pelo zeloso Adauto eletricista.
- Que algazarra é essa, ó Xico ? O que quer você a horas tão tardias ?, com muito mau humor falava Abdala.
- O Tião, sô Abdala, o boi chifrou . . ., responde o Xico chorando.
- Como é ? Desembucha, ó homem ! . . .
- O Tião sô Abdala, o boi malhado chifrou e puff . . morreu.
- Por Allah, Xico, o boi morreu ? Que prejuízo . . . lamentou Abdala.
- Não sô Abdala, o Tião foi que morreu . . .
Abdala desesperou-se e lágrimas rolaram pelo seu rosto em um pranto convulso. E com as mãos em prece, extravasou a sua dor : - Por Allah ! . . . o Tião ! . . .
E caiu abatido por um fulminante enfarte do miocárdio.
Consta que na manhã daquele dia fatídíco a estrelinha resplandecente não aparecera no céu de Estrela Matutina . . .