domingo, 6 de janeiro de 2008

Um ballet singular

LIRISMO EM UMA TARDE MÁGICA



Dia desses, em um fim de outono - quase inicio de inverno - no Grande Teatro da Natureza mais um ato de beleza e encantamento e de simplicidade tocante e envolvente aconteceu em um jardim anônimo e desconhecido.
Borboletas - muitas - multi-coloridas, qual um bando de guris travessos e irreverentes, produziam inusitado espetáculo de cores e coreografia.
Caminhando lentamente por aquele pequeno e querido espaço, o velho quedou-se absorto a observar os matizes das cores que se desenhavam aos seus olhos embevecidos, como moldura à evolução ágil e alacre dos pequenos lepidópteros.
Certamente, o estado de ânimo de que se achava possuído naquele momento colaborou para o seu maior êxtase.
Timidamente, também fascinada e eletrizada pela cena, a criança aproximou-se, silente.
O inesperado e a beleza da visão a empolgavam.
No ballet das borboletas aconteciam volteios, sem atropelos, sem colisões, apesar da incrível rapidez das evoluções, como que previamente treinadas e ensaiadas.
De repente a criança teve a sua atenção voltada para uma borboleta solitária.
Fora do grande baile, a coitadinha arrastava-se pelo chão com muita dificuldade.
Asa caída. Sem equilíbrio. A frágil borboletinha lembrava um desfilante de escola de samba em uma noite de muita chuva; com a fantasia encharcada, pesando toneladas; mal podendo sustentá-la; passos trôpegos e tolhidos.
Exclamação de espanto e de quase dor, levou a criança a um patético apelo : - Vô, ajuda ela ! ajuda ela ! . . . Ela tá pedindo ! . . .
Na sua caminhada capenga, a borboletinha alcançou o sapato do velho e encetou uma lenta e dolorosa caminhada pela sua perna, sobre a calça.
À medida que subia, tornava-se ágil e ativa . . . - Vô, ela vai te beliscar ! . . .
Parada por alguns momentos, quase inerte, à altura da cintura do velho,inesperadamente alçou vôo, aparentemente recuperada, desaparecendo aos meios aos volteios das borboletas.
A criança entusiasmada, festejou : - Vô, você sarou ela ! . . .
O velho sorriu, e matutou : - Como seria o homem mais feliz se se despojasse de mesquinharias e ambições menores, amarras poderosas que o tornam escravo de convenções impostas de onde, por quem e para que não se sabe ao certo, alheando-lhe à beleza das coisas simples do seu dia-a-dia, fontes singulares de vida e realização plena.


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Sorridentes e satisfeitos - o velho e a criança - de mãos dadas, afastaram-se daquele sítio mágico, não sem antes lançarem um último olhar, por alguns momentos, como a se despedirem agradecidos do grande espetáculo.

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