quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A estrela oracular

O SOBRENATURAL EXPLICA



Estrela Matutina é uma cidade dos sonhos . . . uma cidade-poema . . .
O seu nome teve origem na presença no seu céu de uma minúscula estrelinha de cintilação indescritível.
Não são poucos, naquela bela cidade, aqueles que acreditam que as variações na luminosidade da estrelinha seriam indicativos e orientação segura para o dia que se iniciava.
A sua não aparição sinalizava, com toda certeza, catástrofes penalizando pessoas e negócios.
Um verdadeiro oráculo . . .
Tornou-se lenda.
De manhã, na cidade-poema, na palavra do poeta “sopra com vivacidade a brisa, com um hálito perfumado de brando calor.”
Às tardes, um alarido alacre de atrevidos pardais mistura-se com os toques das ave-marias.
Nas noites “o silêncio, quebrado tão somente por estrupido cadenciado da cavalgadura ou pelo grito longínquo de algum animal noturno.”
A gente de Estrela Matutina é uma gente feliz . . .
Há calor humano, e muita solidariedade entre eles.
A cadeia pública, sequer chaves ou cadeados tinha. Não precisava. A sua existência devia-se apenas a necessidade de satisfazer exigências constitucionais e penais. Cidade sem cadeia, é inconcebível. Não poderia existir. Assim estava escrito no processo de emancipação do antigo distrito de Cachoeira Alta que virara Estrela Matutina.
Normalmente, não havia presos, nem a quem prender. Freqüentadores da cadeia, com uma certa freqüência, só dois : O Xico Pinguço, Xico com “x” mesmo como ele escrevia; e o João Caninha. Os motivos é fácil imaginar pelo simples enunciado dos nomes. Chegavam à cadeia entorpecidos pelo álcool, levados pelo soldado Eustáquio, único guardião da lei naquelas paragens. Dormiam por algumas horas, lavavam e enxugavam a cara, voltando novamente às ruas para iniciarem um novo ciclo de libações alcóolicas. O etilismo dominava-os, como um mal congênito. Vez por outra, Eustáquio também rendia sua homenagem ao Deus Baco. Temia-se em tais ocasiões, o caos na cidade. Se coincidam os porres, o lugar ficava “sem a ordem legal e a segurança”, representadas por Eustáquio. Felizmente, as bebedeiras de Eustáquio , além de muito esporádicas não eram em excesso, para não prejudicar ainda mais aquela manifestação de úlcera que o acometera há algum tempo.
Xico Pinguço e João Caninha cultivavam um hábito : Jamais deixavam de estar presentes aos velórios. Andavam quilômetros, se assim fosse necessário, mas registravam presença. Aos sepultamentos, nem sempre compareciam. O motivo ? A noitada do velório, que não os deixavam em condições físicas para esta proeza. A razão é que, além do indefectivel café, bem forte para espantar o sono, tinha-se sempre com fartura saborosas quitandas caseiras, preparadas pelo anfitrião, se me permitem assim me expressar, e também . . .
. . . a branquinha . . . aquela da cabeça. . .
Matutinense que se prezasse jamais deixava de ter em casa uma boa quantidade de garrafas para as ocasiões especiais : noivados, casamentos e . . . velórios.
Certa tarde Xico Pinguço estava lá para as bandas de uma das fazendas de Abdala Rachid, em visita a um amigo, quando tomou conhecimento de um acidente terrível. Um boi, parece que enlouquecido, havia atingido o peão Sebastião - o Tião - amigo muito querido de toda a população, e as conseqüências das chifradas e pisadelas do pesado animal foi a morte do pobre trabalhador. O proprietário das terras - o Abdala Rachid - de quem já lhes falei, era um homem de muitas posses. Além de grande fazendeiro era também comerciante e industrial de sucesso. Tinha fama de grande financista. Modestamente, porém, dizia que sabia apenas medir a água e o fubá. Por isso tinha enricado. É certo que não faltavam comentários maliciosos de alguns despeitados - e como os há sempre - que punham dúvidas sobre a trajetória de Abdala em seus negócios em busca de fortuna.
Abdala já não era um homem jovem. Insidiosa moléstia - um câncer de que procurava sempre não falar - minava a sua saúde fazendo com que ele já não tivesse o vigor e a mobilidade necessárias ao acompanhamento de seus variados interesses empresariais. Completo repouso, recomendava o seu médico e amigo, o competente Dr. Alberto Filgueiras de Nascimento Alves. Na área rural, o peão Tião, era o braço direito de Abdala. Por isso, poderão imaginar a extensão da tragédia que representava o acidente fatal que vitimou o peão. Xico Pinguço, sempre solícito às mais variadas tarefas, nem esperou que alguém lhe pedisse para levar a notícia para Abdala. Partiu rápido.
Já era noite fechada quando chegou à casa de Abdala que se localizava em uma das ruas das mais tranqüilas, da sempre tranquila cidade. Xico tentou abrir o portão. Estava fechado. Sem outros recursos para atingir os seus objetivos, Xico, do meio da rua, passou a gritar por Abdala que demora a atender. Aparentemente, já deveria estar a dormir ou, talvez, percebendo a voz de Xico, retardava propositadamente o atendimento na esperança de que ele desistisse e fosse embora.
Xico, insistia . . .
Assustado, esfregando os olhos e resmungando muito Abdala foi até à janela que geralmente deixava aberta - para entrar ar, dizia.
Esculhambou o pobre Xico pelos seus excessos. O seu berreiro ecoava por toda a rua, agressivamente aos ouvidos de todos, trazendo muitos às janelas para constatar o que estava a acontecer
Como agravante, a iluminação estava deficiente naquela noite. Ocorrera algumas anormalidades, ainda não sanadas pelo zeloso Adauto eletricista.
- Que algazarra é essa, ó Xico ? O que quer você a horas tão tardias ?, com muito mau humor falava Abdala.
- O Tião, sô Abdala, o boi chifrou . . ., responde o Xico chorando.
- Como é ? Desembucha, ó homem ! . . .
- O Tião sô Abdala, o boi malhado chifrou e puff . . morreu.
- Por Allah, Xico, o boi morreu ? Que prejuízo . . . lamentou Abdala.
- Não sô Abdala, o Tião foi que morreu . . .
Abdala desesperou-se e lágrimas rolaram pelo seu rosto em um pranto convulso. E com as mãos em prece, extravasou a sua dor : - Por Allah ! . . . o Tião ! . . .
E caiu abatido por um fulminante enfarte do miocárdio.
Consta que na manhã daquele dia fatídíco a estrelinha resplandecente não aparecera no céu de Estrela Matutina . . .

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