sábado, 28 de junho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A força da renovação se faz presente na vida e nas atividades humanas. Vibração e trabalho são diretrizes básicas. Da terra magnânima novos frutos surgem a cada dia. E o homem, pobre mortal, revive na família como um prolongamento da sua existência levando ao infinito “sua eterna aflição, seu destino maldito.”
Em palavras vibrantes e convincentes o mestre Edward Leão firma conceitos e toca a nossa alma e o nosso espírito no poema “Renovação”.

JGL


RENOVAÇÃO


Em tudo há vibração de vida e de trabalho;
Quer no choque brutal da bigorna e do malho,

no estrídulo ranger das limas e das serras,
no contínuo rodar do arado sobre as terras,
quer na mão que semeia ou na que colhe os frutos,
nos pés que galgam sós os alcantis abruptos,
nos que pisam de leve as lajes dos mosteiros,
nos que caminham nus por entre os espinheiros,
nos braços que erguem pás e movem as charruas,
nos que, pelo dever, vibram espadas nuas.
Em toda parte há força, há vibração, há vida,
músculos em ação, energia perdida,
seiva que se consome e sempre se renova,
nessa existência velha e eternamente nova.
Vidas em transição, em curso, em movimento . . .
Tomba da haste uma flor, nasce um novo rebento,
e o fruto que apodrece inútil sobre a terra
é somente que brota e que outra vida encerra.
Nesse eterno vaivém, nessas alternativas,
Baloiçam gerações - humanas forças vivas -
que se gastam na mó – ciclópica da luta.
Pobres entes em choque, em trágica disputa
pela conservação egoísta do ser :
Homens que são mortais mas que hão de reviver
na prole que prolonga e leva ao infinito
sua eterna aflição, seu destino maldito.

sábado, 21 de junho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Em “Procelas” o poeta bosqueja a sensação de alguém arremetido a esmo, em desvario, dançando ao som de uma flauta bárbara, comparando-o a um náufrago, subjugado pelo mar colérico e selvagem.
O destino de todo ser humano tem muito de comum ao quadro que, com requinte, está explícito nas palavras do mestre Edward Leão.

JGL

PROCELAS

O mar bramindo, o mar uivando, o mar
colérico a espumar como um demente
arroja o náufrago ora para a frente
ora para o outro lado a praguejar.

É um felino titânico a gozar
o suplício da vítima impotente:
quer espremer-lhe a vida lentamente,
aniquilando-a, aos poucos, devagar . . .

Também o meu destino é como o oceano:
brinca comigo num delírio insano,
com crueldades torvas de felino.

Arremessado a esmo, em desvarios,
eu danço nesta vida aos sons bravios
da flauta bárbara do meu destino.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


O cinqüentenário sempre mexe com o emocional das pessoas.
Começo do fim, dizem os mais céticos.
Com o avanço da ciência, outra é a perspectiva.
O cinqüentenário pode ser considerado o marco de uma fase das mais produtivas e realizadoras do homem; com fundamentos sólidos calcados na experiência e conhecimentos acumulados.
Provavelmente, neste século, o estigma dos cinqüenta ceda espaço para os cem nas preocupações existenciais humanas.
O mestre Edward Leão em dois sonetos - “Crepúsculo” e “Velho Poeta” - se ocupou do assunto, com a maestria habitual .

JGL

CREPÚSCULO

Aproxima-se o meu cinqüentenário,
como um imperativo da existência:
Traz na boca o sorriso de clemência
de um patriarca valetudinário.

Durante a vida, em cada aniversário,
desde a fronteira azul da adolescência,
guardei moedas de reminiscência
do coração no humilde relicário.

E permutando os sonhos por lembranças
fui-me despindo, aos poucos, de esperanças,
sabendo envelhecer como uma planta.

Porque o segredo da felicidade
é transformar o sol da mocidade
em noite de luar tranqüila e santa.

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VELHO POETA

Alma de luz banhada intensamente,
boiando à flor das águas do destino,
o velho poeta é quase um inocente
na ingenuidade eterna de menino.

E, novo Homero ancião, cego e divino,
tange as cordas da lira e a toda gente
leva o clamor de um canto peregrino
- Velha cigarra sempre adolescente –

Na sucessão de albores e negrume,
de sombras e auroras boreais,
seu coração é um frasco de perfumes,

sempre aberto a espalhar na imensidade
os aromas eternos, imortais,
- Velho incensório azul da Humanidade -

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


Os poetas de todas as nações, raças, idade e crenças religiosas, vivem harmoniosamente em um mundo muito especial, cheio de magia e belezas mil - O MUNDO DOS SONHOS E DAS FANTASIAS. Cantam a Natureza, falam de alegrias e das tristezas, rejubilam com a felicidade, sofrem com as fatalidades.
Viajando por este mundo imaginário deparamos o poeta maior de Raul Soares - Edward Leão. Deixemo-nos invadir pelo seu estilo elegante, pela riqueza das imagens, pela linguagem pura e a profundidade de suas análises e conceitos, frutos da sua cultura invejável. A poesia de Edward Leão retrata gente, costumes, anseios, angústias, paixões, esperanças . . .
Um tema árido e incomum - FEIO -, motivou a criação de um soneto de estrofes bem concatenadas e estruturadas.

JGL

FEIO

Feio, hediondo - Quasímodo (1) ou Vulcano (2)
corpo mal feito, exóticas feições,
hei-lo a integrar o aglomerado humano,
embora incluído entre as aberrações . . .

Passa a vida a enganar-se e, nesse engano,
tem delírios de estranhas proporções :
Julga-se um mago, um semi – deus indiano
e se desdobra em transfigurações . . .

Vive exilado em meio à humanidade -
constrangido em complexos de humildade,
vai bebendo a amargura em alta dose.

Inveja a larva que há de ser falena :
- Bem mais feliz é aquela irmã pequena
Que espera a glória da metamorfose . . .


NOTAS

(1) Quasímodo - Indivíduo deformado; mostrengo. Personagem de Notre – Dame de Paris (O corcunda de Notre – Dame), de Victor Hugo. É o sineiro da catedral de Notre – Dame que, segundo uma concepção cara ao escritor, oculta, sob o aspecto grotesco de suas deformações físicas, a mais sublime delicadeza de sentimento.
(2) Vulcano, o deus do fogo e do metal dos Romanos, filho de Júpiter e de Juno, marido de Vênus. Quando nasceu, era tão feio que a mãe o precipitou do Olimpo (nome de várias montanhas da Grécia antiga); o infeliz caiu na ilha de Lemnos (ilha grega do Arquipélago, hoje Lemno) e ficou coxo. Estabeleceu debaixo do Etna (vulcão da Sicília) forjas, onde trabalhava com os Ciclopes (segundo a Fábula gigantes monstruosos, com um só olho no meio da testa. A história supõe que esse nome designa os primeiros habitantes da Sicília).