sábado, 28 de fevereiro de 2009

Gonçalves da Costa

Comentário

Mais uma bela página enriquece esta coluna e homenageia Gonçalves da Costa, um dos grandes intelectuais de Minas Gerais.
Zebedeu e Bertoldo, personagens do poeta.
Zebedeu, provavelmente, inspirando-se no pescador, pai dos apóstolos São Tiago e São João Evangelista e marido de Salomé. Êmulos de Damão e Pítias, filósofos pitagóricos do tempo de Dionisio o Moço, célebres pela amizade que os unia. Tendo Pítias, condenado à morte, pedido ao tirano que lhe concedesse algum tempo para arranjar os seus negócios, ofereceu-se Damão para morrer em lugar do seu amigo, se este não estivesse de volta no momento fixado. Chegou a hora do suplício e Damão ia ser executado quando Pítias se apresentou. Dionisio comovido de tamanha dedicação pordoou ao condenado e pediu, mas em vão, aos dois filósofos, que o admitissem como terceiro na sua amizade.
Pílades, na mitologia grega, herói da Fócida. Primo amigo e conselheiro de Orestes, ajudou-o a punir os assassinos de Agamenon. Esposou Electra, irmã de Orestes, com quem teve dois filhos, Médon e Estrófio.
Pílades e Orestes inspiraram o genial Machado de Assis, na criação de Quintanilha e Gonçalves, um conto que por Ítalo Moriconi foi selecionado como um dos cem melhores contos brasileiros do século 20.
Uma rainha de Sabá, célebre por seu fausto, chamada Balkis, foi visitar Salomão, atraída pela fama da sua Sabedoria.

José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha – 64
35350 000 – Raul Soares (MG)



HARPA SEM CORDAS



Vamos por aqui, Zebedeu. As areias desta rua guardam cantigas de sol. Como você sabe, nosso espírito sempre mergulhou em cantigas, e em nós ainda ressoam aquelas que, em nossa infância, eram chofradas pelo velho Bertoldo e sua viola cheia de remendos.
Siga-nos juntos por esta rua. Somos companheiros inseparáveis. Pouco importa que os curiosos se belisquem fortuitamente e murmurem que somos Damão e Pitias ou Pilades e Orestes. No nosso firmamento interior há somente dias de sol e noites de lua.
Você não concorda comigo, Zebedeu? Você não responde? Assalta-o, por ocaso, a aflição de astro em declínio? Não ! Não é possível ! A rua se estende diante de nós, ladeada de flores, povoada de belezas jovens, rodeada de convites para uma realidade que deslumbra. . . Não nos detenhamos, meu amigo ! Sigamos como se, coroados de aurora, estivéssemos andando sobre a face nua do Mediterrâneo. . .
Agora, por aqui, parecem que andam eflúvios mágicos. Parece que fios invisíveis nos puxam para traz. Já ouço a cantiga dos pássaros da infância, sinto as preces imaculadas da infância. Vislumbro os avanços para as estrelas, enquanto as mãos colhiam vácuo, nos crepúsculos verdes da mocidade . . . Mas, não podemos, nem devemos voltar, meu caro Zebedeu. Olhemos a viração, as crianças, a mole humana . . . Vultos femininos perpassam, sorrindo argumentos que anulam teorias pessimistas, e suas vozes encantadas arrancam vegetação das pedras . . . Noto que estou falando sozinho Zebedeu. Você não diz nada . . . Desembuche, homem! Aprume-se agora, e estremeça diante dessa flor humana que está roçando seu ombro ! Uma beleza fantástica ! Céus ! É a lendária Rainha de Sabá, a que anda sobre os outeiros nos Cantares do grande Rei Poeta ! Entôo-lhe também um cântico, Zebedeu. Deixo para você a oportunidade tão peregrina figura deve ser conduzida sob um pálio de harmonias ! E ela se afasta, repare, sem ter ouvido uma saudação lírica. É uma nave que se distancia, levando as últimas esperanças . . .
Cuidado, Zebedeu, que por esta rua, crivada de encantamentos também erram cães vadios . . Ah ! Eu não disse ! Um grande cão azul, agora, avança caladamente, e deixa um grande sulco na suas perna ! . . . Um pedaço de você vai se afastando, preso entre aqueles dentes enormes ! Que horror ! Mas . . . o seu sangue não escorre, Zebedeu ! E você não geme, não grita, não reclama ! Por que ? Você sempre se transfigurava de alegria ou de ódio, e a sua face agora parece de mármore ! . . . Seus olhos não fitam este mundo ! . . . Seu corpo tem um feitio de múmia ! . . . Jesus ! Eu vinha acompanhado de um defunto ambulante ! Eu vinha conversando com um homem morto ! . . .

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Gonçalves da Costa

Comentário

O poeta intitulou “Harpa sem Cordas” varias páginas de muita inspiração e valor intelectual. Com o sub - título “TABOR” é a página que estamos inserindo na coluna de hoje.
TABOR é uma montanha da Síria, na Palestina Setentrional. É lá que o Novo Testamento coloca a Transfiguração de Cristo.
Saladino, referido pelo poeta, sultão do Egito e da Síria, o herói muçulmano da terceira Cruzada (1137-1193).
Santo Graal, nas crenças da Idade-Média, vaso de esmeralda que teria servido a Jesus Cristo, para a ceia com os seus discípulos, e em que José de Arimatéia teria recolhido o sangue que o centurião fez correr do flanco de Jesus sacrificado. Wagner fez do Graal o assunto de sua ópera Parsifal.

José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha -64
35350 000 - Raul Soares (MG)

TABOR

O estranho Leproso, arquejante, extraordinário, atingiu o alto da colina. Sangue nos pés disformes, sangue nas mãos lanhadas, sangue na face ferida. Sob as vestes ensebadas e rotas, o corpo estrelado de chagas. A vista, mesmo turbada, embebeu-se na grande paisagem . . .“Estarei no céu? Estarei mesmo na terra ? “ - murmurou, e tentou erguer um cântico. A carne se tornou sobre - humana, e dos seus lábios começou a elevar-se o cântico do espírito . . . Das chagas do seu peito , então, se levantou uma flor majestosa, que lhe colocou sobre a cabeça um céu de pétalas. Ao longe do imenso vale se desenharam caminhos, que, vindo das distâncias, morriam junto ao sangue dos seus pés.
Caminhos de músicas, estradas de flores, roteiros resplandecentes. . .Ao longo deles perpassavam belezas virgens, de vestes alvas - rainhas egressas de outros reinos . . . Os olhos do estranho Leproso se afundaram em maravilhas. Descerem aves brancas, trazendo no bico um misterioso ungüento para as chagas vivas, as quais, sendo tocadas, refulgiam. Como se mostravam largos os horizonte, abrindo-se num convite para os grandes vôos ! Além, muito além, as miragens eram caravanas que se arrastavam, rumo à Meca desconhecida, Os cavalheiros do Santo Graal, os guerreiros de Salladino, passavam cintilando nas planícies eternas, rápidos, perseguindo relâmpagos. . .
Todas as visões consoladoras, inefáveis, que haviam povoado as suas noites de solidão e de tormento, ressurgiam agora, em anseios de definição, como criaturas talhadas em pedra, como mármores estuantes de vida. Maravilhas se desandavam ante os seus olhos, deixando rolar as vestes sobre os espinhos e os abismos.
Os olhos do grande Leproso se encheram então de um brilho novo, as suas chagas se transformaram em rosas de luz e ele se cobriu todo de uma beleza inenarrável. Eis que surge à sua frente, vestida de branco, asas nos ombros, a Esperada . . . Defrontam-se dois sorrisos. As mãos rútilas se estendem . . . Dois vultos se tocam e, ante os espaços atônitos, vão eles
entrelaçados - clarões de exércitos em marcha, dois hinos de glória, duas alvoradas angélicas.