Comentário
O trabalho que ora divulgamos é o último poema da série “Harpa sem Cordas” ou, simplesmente “Harpa”, do grande poeta mineiro, que conseguimos encontrar . São muitas as dificuldades para o completo levantamento da obra do poeta por ter sido toda ela publicada em jornais do interior de Minas. Perdeu-se no tempo, inexoravelmente. Não mais existem os jornais, nem arquivos dos mesmos. A ação do tempo é altamente predatória e em não havendo interesse na preservação da cultura, como infelizmente acontece no Brasil, pouco ou quase nada se pode fazer.
José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha – 64
35350 000- Raul Soares (MG)
HARPA SEM CORDAS
(PÁGINA ÍNTIMA)
Pai ! Ao limite da grande trajetória, chegaste primeiro. Chegaste a um ponto que a miopia não me deixa distinguir. . .
A manhã longínqua, em que e puseste a caminho, devia ser muito clara, pois sempre foram claros os teus gestos, as tuas palavras. Eu sempre te via como mergulhado no sol . . .
Há muito que os medos olhos não pousam na tua figura palpável. Mas no meu afeto ela se eleva, ilumina-se cada vez mais.
Como a saudade diviniza o que já não existe. Pai ! Um simples movimento do teu vulto, colhendo espigas ou frutos entre as ervas do passado, é hoje para a minha sensibilidade o gesto de um santo recolhendo estrelas . . .
Podias estar caminhando junto de mim até hoje, meu Pai ! Mas Deus não quis que a tua viagem se prolongasse por mais tempo. . . Quando naquela madrugada distante, a névoa da eternidade envolveu os teus olhos, o grande relógio do tempo , que marcava os teus passos, havia dado apenas cinquenta e quatro pancadas, correspondentes a cinquenta e quatro anos -– luz . . . Livre daquela consunção invencível, estarias, então, apenas em meio da viagem, dada a tua primitiva fortaleza física. O certo é que te foste, naquele dilúculo de setembro, enquanto os passarinhos cantavam no arvoredo próximo.
Para que tentarmos folhear, aqui na terra, o livro do mistério, Pai ? Para que estendermos as mãos frágeis, tentando remover rochas que sobem para as nuvens ? Para que esperarmos resposta a perguntas que estão há milênios estendidas no ar ? . . .
Lembro-me, ainda, Pai, que um dia lemos juntos esta máxima oriental : “Vãs são as esperanças dos homens, diante dos decretos que o Eterno escreveu no céu em letras de fogo”. Tu leste, e suspiraste. É que, embora nunca perdesses a serenidade, tinhas quase a certeza de que o teu caso já era mais ma derrota da ciência . . .
Deus, que é todo misericórdia, leva-nos um ente querido, mas nos deixa a lembrança – espelho mágico, incrustado nas nossas almas. Sinto-te, Pai, povoando as minhas horas de recolhimento, sinto-te junto ás músicas prediletas que te embalavam, sinto-te nas cantigas dos pássaros, teus amigos dos campos de fartura. . .
Pai ! Minha fé, norteando a fantasia, te coloca nos altiplanos reservados aos bons, aos limpos de coração. Benção, alvorada, música, sentimento, és todo imperecível, eterno, na minha convicção e na minha lembrança.
Minha homenagem a ti, saudoso Pai, eu a estendo a todos ao Pais que, morrendo, se tornaram claridade, pelas suas ações e pelos seus exemplos.
É verdade, meu Pai, que os mortos governam os vivos “. E os que foram bons na terra, continuam sendo-o na eternidade, de onde enviam presentes aos vivos . . . Pelas noites nos meus exames de consciência, toda alegria que sinto, por uma boa ação que me ensinaste a praticar, é uma flor celeste que do alto me atiras dentro do coração.
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