domingo, 27 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Em “Beijos” e “Eurico” o poeta extravasa o seu lirismo. “Eurico” dedica à cunhada Hermengarda. Pelagio, referido em “Eurico”, é o guerreiro visigodo que depois da batalha de Guadalete (711) refugiou-se com um punhado de companheiros nas montanhas da Cantabria (região da Espanha Tarraconense, rebelde ao jugo romano até aos tempos de Augusto). Em 1718 desbaratou os Moiros em Covadonga, iniciando a guerra de Reconquista. Fundou o reino das Asturias. Pelagio é uma das grandes figuras da história da Espanha ( séc. VII e VIII).

JGL


BEIJOS

Eu vejo sempre o céu fitando a Terra,
vejo a Terra também fitando o Céu,
mas não desvendo o misterioso véu
que esse amor infeliz, há tanto, encerra.


Tenho mesmo a ilusão de que esse incréu
disputa a amada à sorte em plena guerra
E vejo por trás daquela serra
O beijo que eles dão como um troféu.


E vendo no horizonte aquele beijo
de corpos tão distantes também vejo,
no horizonte visual das ilusões,


Lábios humanos sempre se encontrando
em beijos longos muitas vezes quando
bem longe um do outro estão os corações.


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EURICO


É grande a confusão no campo visigodo,
as hostes de Pelagio em face do perigo,
voltam para impedir o avanço do inimigo,
no afã de combatê-lo e rechassá-lo todo.


E o homem que combateu com singular denodo
Fica ali, desta vez, das lutas ao abrigo,
guardando uma mulher formosa, a sós consigo
para evitar-lhe a dor de um derradeiro apodo.


Reconhecendo Eurico a virgem se levanta,
no cavaleiro fita os seus olhos de santa,
buscando-o num amplexo apaixonado e forte.


O cavaleiro audaz recua apavorado
- presbítero infeliz ao voto acorrentado -
foge à sua Hermenengarda e parte para a morte.

sábado, 19 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A leitura do mestre Edward Leão faz-nos concluir que, mesmo que não fosse essa a sua intenção, ali estão muitos fatos de sua vida e de sua maneira de ser. É quase que uma autobiografia. Sem a preocupação de fixação de datas e pormenores outros, características marcantes em um estudo biográfico.
As atribulações do mestre, o seu convívio social, a sua ternura fraterna e familiar, a nostalgia nas recordações de uma meninice e juventude em uma existência desprovida de riquezas de ordem material, estão desenhadas de forma inequívoca na sua obra.
Em “Meu Natal Antigo” o poeta retorna aos dias ditosos da infância “num Natal sempre sereno” imbuído de compreensão à humildade familiar, de uma vida sem ilusão, compensada, quando dormia, por uma carícia suave, muito doce, e um beijo da mãezinha querida.”

JGL


MEU NATAL ANTIGO


Lembro-me ainda dessas noites quentes,
cheias de misticismo e sem luar.
As mãos enlaçadas em correntes
andavam lentamente a passear
e os rapazes em grupos nas esquinas
calavam-se à passagem das meninas.
E estas, por sua vez, agradecidas,
Meio tímidas, meio comovidas,
mandavam-lhes olhares penetrantes,
varando a treva como negros fios,
agudos, longos, úmidos, brilhantes
- lâminas de aço ou dardos luzidios -
dirigidos em cheio aos corações.
- Casas abertas, bem iluminadas,
Lançando à rua a luz dos lampiões,
Ostentavam insônias desusadas,
inocentes orgias familiares
só permitidas numa noite do ano,
em que a alegria dominava os lares,
revigorando a fé no peito humano.

Mais tarde . . . o sino vibra e se ilumina
todo o interior da igreja centenária,
há séculos de pé, sobre a colina,
como uma sentinela solitária . . .

O sino da Matriz bimbalha, alegremente . . .
sobe pela ladeira acima toda gente
em direção à igreja.
A encosta agora alveja
em fileiras de luz,
Tremeluzindo em postes de bambus,
Em que se colocaram lamparinas,
Pequeninas,
excitantes, bruxoleantes,
lembrando um batalhão de esqueletos bizarros
todos trazendo à boca, acesos, seus cigarros.

Lembro-me ainda : Eu era pequenino.
Finalizada a missa na Matriz,
cada fiel seguia o seu destino,
voltando à própria casa mais feliz.
E no semblante alegre das crianças
Perpassavam risonhas esperanças:
Na madrugada alegre que chegava,
Papai Noel de certo transportava
Brinquedos, guloseimas aos milhares
para os sapatos todos dos seus lares . . .

O meu Natal foi sempre mais sereno.
Eu sempre compreendi, desde pequeno,
a humildade de nossa condição.
Por isso nunca tive uma ilusão
nessa noite de sonho e fantasia.
Bastava-me sentir, quando dormia,
( bem mais feliz, talvez, então, eu fosse)
uma carícia suave, muito doce,
um beijo da mãezinha em minha face,
como se um anjo sobre mim roçasse
as penas leves, brancas de sua asa- meigo Papai Noel de nossa casa !

sábado, 12 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A alma do poeta é como quê um mar revolto. As ondas se sobrepõem e furiosamente ocupam todos os espaços ensejando ativa participação de todos os seres vivos no grandioso espetáculo da existência humana no Grande Teatro do Universo. As dúvidas de um Ser Superior se acumulam levando a um infindável número de indagações - profundas muitas, pueris outras -, à busca ansiosa da verdade o mais agradável dos sons, na lição do filosofo grego Pláton, e da libertação total.
Em “Alma Exilada” o Prof. Edward Leão se expressa de forma tal que sentimo-nos como que co-autores do inspirado poema que nos deixou.

JGL


ALMA EXILADA

Por que esse tédio, essa amargura
que envolve a alma da gente ?
- Por que essa dor, essa agonia ingente
que fere e que tortura ?

Por que ter dentro da alma esse deserto
como um vácuo infinito ?
Por que esse caminhar ambíguo, incerto,
trôpego, de precito ?

Ó que enfadonho e mórbido cansaço
e que fadiga atroz !
Vendo o destino a se esfumar no espaço
sempre a correr de nós !

E as multidões passando sobre a Terra
- Tropel de nuvens no ar -
tudo que a natureza eterna encera
a gemer e a cantar.

A vida aos turbilhões palpita e estua
fora da minha vida.
E eu a pensar que a Terra é morta e nua
e eu não tenho guarida.

Ouço o rumor de muitas vozes, longe,
num círculo distante . . .
mas vivo enclausurado como um monge
tímido e hesitante.

A humanidade move-se apressada
num redemoinho louco.
Mas, longe . . . e a minha vista está cansada
e alcança muito pouco.

Sinto-me só, desprotegido e inerme,
ante o tédio invasor.
Sinto o hálito do mundo na epiderme
e esse frio interior !

Minha alma é pobre pássaro perdido
- Ave de arribação –
que voa sob um céu desconhecido,
sozinho na amplidão . . .

sábado, 5 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A melancolia, a nostalgia são fermentos que fazem crescer e extravasar a sensibilidade do poeta.
Em “Pau de Sebo”, o Prof. Edward Leão, lembra um tempo de sonhos “de uma alegria simples, leve e pura”.

JGL



PAU DE SEBO

Era noite de festa em minha terra.
(Quanta saudade esta lembrança encerra !)
regurgitava alegre a velha praça
risonha e iluminada. A populaça
tinha risos no olhar e no semblante,
ostentando um prazer contagiante,
uma alegria simples, leve e pura
como uma onda suave de ternura
que passasse envolvendo os corações.

As crianças em alegres explosões
de entusiasmo infantil tomavam parte
Naquela festa em que faltava a arte
mas sobrava a alegria. Naquela idade,
pondo no movimento a agilidade
e a força elástica do corpo, era
como se fossem sóis de primavera
ou andorinhas loucas a brincar
na placidez balsâmica do ar.
As atenções eram voltadas, creio,
para um mimoso, esplêndido torneio
de destreza infantil. Saltos, corridas,
estranhas e magníficas partidas
em que se disputava a primazia,
numa renhida e cálida porfia . . .

De repente, porém, a multidão
volta a sua volúvel atenção
para uma vertical, esguia estaca,
que no centro da praça se destaca,
tendo na ponta um prêmio sedutor
a tremular dos ventos ao sabor.
É o pau de sebo: dizem. E, de fato,
aquele poste até agora intacto,
com o aspecto viscoso e reluzente
de monstruosa, elástica serpente,
tem a polida superfície untada.


Começa agora a íngreme escalada.
Vários meninos ágeis, adestrados,
Ao poste liso, unidos, abraçados,
tentam subir à ponta inacessível,
ganhar o prêmio, próximo, visível,
que, como um lenço baloiçando ao vento,
parece dar-lhes ânimo e alento.

Quanto tempo perdido em tentativas !
Quanta vez, sob aclamações festivas,
algum deles chegou perto do fim,
sentiu ao seu alcance o galarim
porque lutava . . . Era o mais forte,
mais ágil, mais veloz ou de mais sorte :
Todos diziam, mas eis que desliza,
volta ao solo e, de novo, pisa.
Outro sobe na frente, glorioso.
Esse será talvez vitorioso . . .
Mas, o mesmo destino já o espera.
E o prêmio será sempre uma quimera,
encantadora, esplêndida, doirada,
ao ambicioso olhar da petizada . . .

Nós vivemos brincando de crianças
No pau de sebo - poste de esperanças
com a felicidade lá na ponta -
e tentamos subir vezes sem conta ,
doidos buscando essa ilusão falaz,mas deslizamos sempre para traz . . .