sábado, 19 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A leitura do mestre Edward Leão faz-nos concluir que, mesmo que não fosse essa a sua intenção, ali estão muitos fatos de sua vida e de sua maneira de ser. É quase que uma autobiografia. Sem a preocupação de fixação de datas e pormenores outros, características marcantes em um estudo biográfico.
As atribulações do mestre, o seu convívio social, a sua ternura fraterna e familiar, a nostalgia nas recordações de uma meninice e juventude em uma existência desprovida de riquezas de ordem material, estão desenhadas de forma inequívoca na sua obra.
Em “Meu Natal Antigo” o poeta retorna aos dias ditosos da infância “num Natal sempre sereno” imbuído de compreensão à humildade familiar, de uma vida sem ilusão, compensada, quando dormia, por uma carícia suave, muito doce, e um beijo da mãezinha querida.”

JGL


MEU NATAL ANTIGO


Lembro-me ainda dessas noites quentes,
cheias de misticismo e sem luar.
As mãos enlaçadas em correntes
andavam lentamente a passear
e os rapazes em grupos nas esquinas
calavam-se à passagem das meninas.
E estas, por sua vez, agradecidas,
Meio tímidas, meio comovidas,
mandavam-lhes olhares penetrantes,
varando a treva como negros fios,
agudos, longos, úmidos, brilhantes
- lâminas de aço ou dardos luzidios -
dirigidos em cheio aos corações.
- Casas abertas, bem iluminadas,
Lançando à rua a luz dos lampiões,
Ostentavam insônias desusadas,
inocentes orgias familiares
só permitidas numa noite do ano,
em que a alegria dominava os lares,
revigorando a fé no peito humano.

Mais tarde . . . o sino vibra e se ilumina
todo o interior da igreja centenária,
há séculos de pé, sobre a colina,
como uma sentinela solitária . . .

O sino da Matriz bimbalha, alegremente . . .
sobe pela ladeira acima toda gente
em direção à igreja.
A encosta agora alveja
em fileiras de luz,
Tremeluzindo em postes de bambus,
Em que se colocaram lamparinas,
Pequeninas,
excitantes, bruxoleantes,
lembrando um batalhão de esqueletos bizarros
todos trazendo à boca, acesos, seus cigarros.

Lembro-me ainda : Eu era pequenino.
Finalizada a missa na Matriz,
cada fiel seguia o seu destino,
voltando à própria casa mais feliz.
E no semblante alegre das crianças
Perpassavam risonhas esperanças:
Na madrugada alegre que chegava,
Papai Noel de certo transportava
Brinquedos, guloseimas aos milhares
para os sapatos todos dos seus lares . . .

O meu Natal foi sempre mais sereno.
Eu sempre compreendi, desde pequeno,
a humildade de nossa condição.
Por isso nunca tive uma ilusão
nessa noite de sonho e fantasia.
Bastava-me sentir, quando dormia,
( bem mais feliz, talvez, então, eu fosse)
uma carícia suave, muito doce,
um beijo da mãezinha em minha face,
como se um anjo sobre mim roçasse
as penas leves, brancas de sua asa- meigo Papai Noel de nossa casa !

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