COMENTÁRIO
José Eulálio Gonçalves da Costa, ou simplesmente Gonçalves da Costa, foi um poeta – escritor de muita sensibilidade e inspiração.
Deixou muita coisa boa publicada em jornais que não mais existem e cujos arquivos não foram preservados pelos órgãos culturais das cidades em que circularam.
O que vamos publicar nesta série colhemos em um jornal que circulou em Raul Soares na década de 50 - O IMPARCIAL. Ousamos fazê-lo, em que pese a falta de sensibilidade e reconhecimento de muitos aos acontecimentos e pessoas de um passado recente. É uma forma, também, de homenagear a memória do Dr. Hugo de Aquino Leão, um intelectual consumado, e ao Sr. Alcides Toledo da Silva, responsáveis pelo “O IMPARCIAL”.
José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha – 64
35350 000 – Raul Soares (MG)
A clareira da Floresta
(Para o poeta Edward Leão)
A noite arrasta o Poeta. O luar, descendo, é o mesmo fluido imponderável que vem vertendo o delírio nas almas eleitas, através dos séculos. Os ventos e as nuvens, agora, se acham presos na caverna dos grifos de asa gelada.
O Poeta sai de casa. Deixa para trás a cidade, de onde se elevam rezas e blasfêmias. Pela estrada encontra mercadores tangendo bestas. Encontra homens discutindo. Encontra mulheres desacompanhadas, tresandando perfumes infernais. Todos falam, vendo-o passar. É algum louco que vai procurar sepentes na floresta - dizem uns. - É um vagabundo vulgar, que anda à procura de albergue para estender os ossos - dizem outros. Alguns o olham assustados, apontando-o como o salteador Procusto Segundo, temido na região, enquanto as mulheres lhe estendem os braços longos como cobras . . .
E o Poeta segue. Para trás ficam almas de luz e almas de sombra. Ficam cérebros de metal. Ficam mãos trêmulas de ira. Ficam bonecos de lama, envoltos em ouropéis, atraindo o olhar das crianças.
Para o Poeta - ele o sabe - existe uma clareira na floresta , onde, ao luar, acompanhadas pelos instrumentos mágicos dos gnomos, as fadas dansam e entoam cânticos maravilhosos. E ele procura a clareira, onde irá encontrar todas aquelas entidades redivivas, que o tempo inutilmente vem procurando afogar nos seus abismos. Branca de Neve e os Sete Anões lá estarão, hão de cantar e dansar também, com as fadas, suas amiguinhas, ante os olhos deslumbrados do Poeta.
Todos estarão à sua espera. As rosas com certeza foram convidadas para perfumar o ambiente, e também cantarão, pois cada corola é uma boca divina mergulhada em músicas . . . O Poeta segue, resplandescente, cheio de fé. Agora, a asa de uma falena invisível, num sussuro, lhe diz que todos já se acham impacientes, e que os instrumentos, mesmo não tangidos, desferem harmonias. . . O Poeta então se sente leve, tem a impressão de que os seus pés não mais tocam a terra. Ele será como um convidado de honra entre eles, será recebido como uma divindade diante das árvores atônitas, e todos o reconhecerão pelo pensamento . . . O seu íntimo se abrirá para eles . . . Todos o reconhecerão, porque, em pensamento, O Poeta já percorreu o reino das sombras, já rolou entre os ventos tresloucados, já esquadrinhou todas as paragens por onde se escondem todos aqueles seres encantados. As fadas o embriagarão com aromas indefiníveis, dar-lhe-ão a beber o filtro colhido na confluência dos sete rios, depois lhe estenderão os seus livrinhos feitos de pétalas, para que ele escreva poemas . . .
Depois de encharcados pela atmosfera de delícias virgens, sairão pelas vias lácteas da floresta, irão ao palácio da Gata Borralheira, passarão pelos bosques das ninfas, e sorrirão, quando o gnomo afoito tropeçar na bota de sete léguas . . .
Então, cansados da viagem, dançarão as margens do rio, as margens do grande rio.
As fadas e os gnomos, Branca de Neve e os Anões, todos voltarão, enquanto as náiades, elevando-se das águas, rodearão o Poeta, formando uma corola imensa. E, entoando um hino mágico, o levarão sobre as águas, sobre as verdes águas . . .
. . .
O Poeta, como que andando sobre as nuvens, sob o luar, num delírio divino, segue, buscando a clareira da sua floresta de sonho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário