domingo, 17 de fevereiro de 2008

Comportamento humano

Filosofia grega

Os filósofos gregos tinham por hábito debater as questões pertinentes à organização das cidades e o comportamento de seu povo, sob todos os aspectos. Presentes no Pireu para orações à deusa (para um ateniense “a deusa” era usualmente Atena ante a referência aos Trácios e a menção expressa da celebração das Bendidéias em 350 levam os estudiosos a identificá-la com Bêndis, deusa tráçia que se confundia com Artemis).
Reunidos Sócrates, Platão e os irmãos mais velhos Glauco e Adimanto, Nicérato, filho de Nícias, político e general ateniense, Polemarco e os irmãos Lísias, famoso orador, autor de célebre discurso, o Contra Erastótenes, e Eutidemo, e, ainda, Trasímaco de Calcedônia e Carmantidas de Paianieu e Clitofonte, filho de Arístonimo. Presente também estava Céfalo, pai de Polemarco. Debateram entre outras as questões da “justiça” e “injustiça”.
Questionamento de Sócrates motivou a Trasímaco dizer: “( ) E és tão profundamente versado em questões de justo e justiça, de injusto e injustiça, que desconheces serem a justiça e o justo um bem alheio, que na realidade consiste na vantagem do mais forte e de quem governa, e que é próprio de quem obedece e serve ter prejuízo; enquanto a injustiça é o contrário, e é quem manda nos verdadeiramente ingênuos e justos; e os súditos fazem o que é vantajoso para o mais forte e, servindo-o, tornam-no feliz a ele, mas de modo algum a si mesmos. E assim, ó meu simplório, basta reparar que o homem justo em toda a parte fica por baixo do injusto. Em primeiro lugar, nos consórcios que fazem uns com os outros, quando uma pessoa de uma destas espécies se associa com uma da outra, jamais se verificará, por ocasião da dissolução da sociedade, que o justo tenha mais do que o injusto, mas sim menos. Depois nas questões civis, onde quer que haja contribuição a pagar, o justo em condições iguais paga uma contribuição maior, e o outro, menos. Quando se tratar de receber, um não lucra nada, e o outro, muito. E, se algum dos dois ocupar um posto de comando, o justo pode contar, ainda que não tenha outro prejuízo, com ficar com os seus bens pessoais em má posição, por incúria, e com não ganhar coisa alguma com os do Estado, por ser justo. Em cima disto ainda, com criar inimizades com parentes e conhecidos, por se recusar a servi-los contra a justiça. Ao passo que o homem injusto pode contar com o inverso de tudo isto. Refiro-me àquele que há pouco mencionei, ao que pode ter grandes ambições de supremacia. Repara, pois, neste homem, se queres julgar quanto mais vantagem tem para um particular ser injusto do que ser justo. Mas a maneira mais fácil de aprenderes é se chegares à mais completa injustiça, aquela que dá o máximo de felicidade ao homem injusto, e a maior das desditas aos que foram vítimas de injustiças, e não querem cometer atos desses. Trata-se da tirania, que arrebata os bens alheios pela fraude e pela violência, quer sejam sagrados ou profanos, particulares ou públicos, e isso não aos poucos, mas de uma só vez. Se alguém for visto a cometer qualquer destas injustiças de per si, é castigado e recebe as maiores injúrias. Efetivamente, a quem comete qualquer destes malefícios isoladamente, chama-se sacrílego, traficante de escravos, gatuno, espoliador, ladrão. Mas se um homem, além de se apropriar dos bens dos cidadãos, faz deles escravos e os tornam seus servos, em vez destes epítetos injuriosos, é qualificado de feliz e bem aventurado, não só pelos seus concidadãos, mas todos os demais que souberem que ele cometeu essa injustiça completa. É que aqueles que criticam a injustiça não a criticam por recearem praticá-la, mas temerem sofrê-la. Assim, Sócrates, a injustiça, quando chega a um certo ponto, é mais potente, mais livre e mais despótica do que a justiça, e, como eu dizia a princípio, a vantagem do mais forte é a justiça, ao passo que a injustiça é qualquer coisa de útil a uma pessoa, e mais vantajosa.”
Os conceitos de Trasímaco não convenceram aos demais pelo que foi impedido de retirar-se sem antes prestar contas das suas palavras.
Sócrates enfaticamente afirma: “Eu, por mim, declaro-te qual é a minha opinião: não estou convencido nem creio que a injustiça seja mais vantajosa do que a justiça, ainda que alguém deixe àquela a uma pessoa à solta, sem a impedir de fazer o que quiser. Mas, meu bom amigo, que uma pessoa seja injusta, que possa cometer injustiças ou pela fraude ou em luta aberta, mesmo assim o seu exemplo não me convence que isso é mais proveitoso para ela do que a justiça. Esta mesma impressão é talvez a de outros dentre nós, e não minha apenas. Convence-nos, portanto, ó meu bem-aventurado, e de maneira suficiente, que erramos, quando damos maior valor à justiça do que à injustiça.”
Para Sócrates os homens de bem não aspiram governar nem por causa das riquezas, nem das honrarias, porquanto não querem ser tratados por mercenários, exigindo abertamente a recompensa do seu cargo, nem de ladrões, tirando vantagem da sua posição. Também não desejam governar por causa das honrarias, uma vez que não as estimam. Força é, pois, que sejam constrangidos e castigados, se se pretende que eles consintam em governar; de onde vem que se arrisca a ser considerado uma vergonha ir voluntariamente para o poder, sem aguardar a necessidade de tal passo. Ora, o maior castigo é ser governado por quem é pior do que nós, se não quisermos governar nós mesmos. É com receio disso, que os bons ocupam as magistraturas, quando governam; e então vão para o poder, não como quem vai tomar conta de qualquer benefício, nem para com ele gozar, mas como quem vai para uma necessidade, sem ter pessoas melhores do que eles, nem mesmo iguais, para quem possam relegá-lo. Efetivamente, arriscar-nos-íamos, se houvesse um Estado de homens de bem, a que houvesse competições para não governar, como agora as há para alcançar o poder, e tornar-se-ia então evidente que o verdadeiro chefe não nasceu para velar pela sua conveniência, mas pela dos seus subordinados. De tal maneira que todo aquele que fosse sensato preferiria receber benefícios de outrem a ter o trabalho de ajudar ele aos outros. Opunha-se, portanto, á Trasímaco segundo o qual a justiça seria a conveniência do mais forte.
Instado a dar o seu depoimento sobre a afirmacão de Trasímaco: “melhor a vida do injusto do que a do justo”, disse Glauco, sem titubeio: “Considero que a vida do justo é a mais vantajosa”.

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