quinta-feira, 6 de março de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


Nos anos 50 o Prof. Edward Leão escrevia a coluna “Fio de Navalha”, sob o pseudônimo de Fígaro, dando-lhe o subtítulo de “Coisas de Ontem”. Com a sua notória e habitual capacidade e competência de narrador relata no texto a seguir transcrito as vicissitudes do povo num momento conturbado da história política brasileira.

JGL

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Finda a revolução de Outubro, empossada a Junta Revolucionária e, em seguida, o Governo Provisório, o país foi entrando nos eixos.
Nos municípios, a governança comunal caberia a prefeitos nomeados pelos Interventores. Espalharam-se papeluchos que valiam como dinheiro. Eram uns retângulos de cartolina semelhantes a bilhetes de rifa. O povo denominou-os burrosquês e alguns explicavam a sua etimologia curiosa: “burros os que aceitam”.
Dois anos se passaram sob o novo regime. Ditadura suave, tolerante, quase democrática. Em muitos municípios, surgiram prefeitos rotulados de técnicos. Eram engenheiros do Estado, encarregados da administração de comunas, sob as vistas de um departamento especializado criado pelo Governo Estadual. Poderes centralizados; orientação discricionária. Algum progresso promovido pelos administradores - funcionários, que eram removíveis e demissíveis ad - nutum.
9 de julho de 1932. Revolução em São Paulo. O grande Estado líder tomara dianteira na luta pela constitucionalização do país. Fê-lo pelas armas, numa arremetida heróica, pontilhada de lances de assombrosa bravura.
O Governo Central estava forte, porém, e convocou recursos humanos de todos os outros Estados da Federação para jugular o movimento. Minas se colocou à frente da reação e mandou os seus soldados para o Túnel. Os municípios desguarnecidos criaram uma espécie de guarda municipal (milícia), arrebanhando elementos no seio do povo. Deu-lhes armas e privilégios. Os milicianos, na sua maioria, usavam e abusavam desses privilégios, provocando mesmo, em algumas cidades, sérios conflitos de conseqüências mais ou menos graves. Na cidadezinha em que morávamos, porém, um impacto feriu o silêncio e a monotonia da vida citadina:- um ônibus, cheio de soldados, entrara na cidade, e um sussurro fez estremecer os simpatizantes da causa paulista. O autor destas linhas, que também ouvia às escondidas o único rádio existente na terra, devia estar no índex. O melhor expediente era fechar hermeticamente as portas e as janelas de nossa casa. “Quem não é visto, não é lembrado”, diz o antigo rifão.

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