Comentário
Sob o pseudônimo de Fígaro o Prof. Edward Leão, na festejada coluna “Fio de Navalha” - “Coisas de Ontem”, publicada no jornal “O Imparcial”, exercita a sua condição de historiador relatando episódios revolucionários dos anos 30.
JGL
-
O veículo fantasma percorreu as ruas da cidade, recolhendo pseudo – criminosos. Todo aquele que, por princípio, por simpatia e coerência, se inclinava para a causa dos paulistas era considerado um delinqüente e devia ser punido. Muitos cidadãos, velhos e moços, experimentaram a amargura da humilhação.
Naquele dia fatídico, devia realizar-se uma festa com fins beneficentes no salão do prédio recém - construído do Hospital São Sebastião. Severino Buetemuller, moço cheio de entusiasmo, inteligente e dinâmico, preparara tudo para que a festa fosse brilhante. Aquele engenheiro nordestino, que chefiava o 1º Distrito de Terras do Estado, desdobrava-se numa faina impressionante, numa operosidade singular, numa capacidade de organização “mais única do que rara”, quando tomava a frente de qualquer iniciativa.
Todavia, daquela vez, vimo-lo descoroçoado e triste, prenunciando o fracasso da grande festa e lamentando sinceramente os acontecimentos do dia, embora fosse ela, pessoalmente e sem rebuços, um apaixonado pela causa da ditadura. Era um grande coração que cessou de bater, precocemente, há alguns anos, quando chefiava as obras gigantescas da construção do Porto de Imbutiba, no Sul do Brasil.
- x –
1º de janeiro de 1933. Um telefonema da cidade vizinha que nos fornecia energia elétrica transmitiu-nos a estarrecedora novidade: estávamos às escuras, definitivamente às escuras, irremediavelmente às escuras. Não seria fornecido nem mais um único quilowatt. Só se viam nas ruas pessoas apressadas, carregando lamparinas, lampiões, garrafas de azeite e caixas de grizetas. Mobilizavam-se os habitantes da cidade contra a ofensiva em massa do inimigo que, de há muito, fazia incursões de reconhecimento e realizava pequenas escaramuças em nossos acampamentos : as trevas.
Verdadeiros exércitos de sombras iriam ocupar as ruas e praças daquela cidade, transformada, de um momento para outro, em cabeça de ponte, em cidadela estratégica para os tenebrosos invasores.
Mas, como compensação, na hediondez daquele período negro, descia, de vez em quando a asa branca do luar, alvejando a paisagem e pulverizando poesia na alma dos moços, gotejando saudade no coração dos velhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário