sexta-feira, 30 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

O soneto é uma composição de origem italiana com fórmulas definidas de apresentação. O último verso deve encerrar a essência dos pensamentos, numa expressão perfeita, sendo considerado a chave de ouro da composição.
O mestre Edward Leão foi no gênero um competente e inspirado poeta.
Atendendo à solicitação de admiradores lançou na primeira página de álbuns os sonetos “ÀTRIO” e “PÓRTICO” .

JGL


ÁTRIO

Um livro em branco é um coração de criança
sem imagens, sem cor e sem tormentos.
- terra virgem à espera de rebentos -
- mundo povoado apenas de esperança -

Álbum . . . solo feraz onde se lança
A sementeira dos encantamentos
Que desabrocham ao sabor dos ventos
nas corolas doiradas da lembrança . . .

E cada folha branca em que se escreve
perde a alvura puríssima da neve
e toma a cor de cada inspiração . . .

Ó tu, que vais abrir este livrinho,
abre-o, mas com cuidado e com carinho:
Olha que estás abrindo um coração!

- # # -


PÓRTICO

Neste livro de versos escolhidos
pelo gosto sutil de uma rainha
talvez pareça grande audácia minha
lançar meus versos tão descoloridos.

Mas as entradas dos jardins floridos
nem sempre têm o encanto que convinha . . .
ao contemplá-las nunca se advinha
o esplendor dos tesouros escondidos . . .

E embora aqui devesse estar um poema
- arco de luz numa fachada nobre -
de fronte real esplêndido diadema -

só pus estas estrofes. Mas, sou franco,
e penso que esta página tão pobre
melhor seria que estivesse em branco . . .

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

A explosão da Natureza - presente na primavera - a estação mais bela do ano, é cantada em prosa e verso. Em o poema “A PRIMAVERA” o poeta confronta a “humana mocidade” e o despertar da Natureza para concluir pela harmonia com “hinos de glória à Vida e à Mocidade”. É uma composição com muitas estrofes, ao estilo das Escolas Provençal e Palaciana ou Espanhola.

JGL

A PRIMAVERA


Numa noite de festas e esplendores,
em turbilhões de luzes e de cores,
uma jovem de exótica beleza
viu surgir de uma alfombra a Natureza,
vestida de estrelas e de rosas,
que, vindo de regiões misteriosas,
como uma nova e esplêndida Belkis,
por um capricho, aquela noite, quis
mostrar ao mundo a sua majestade
e encher de inveja a humana mocidade,
que se dizia irmã da primavera,
eternizando uma infantil quimera.

E a deusa augusta, soberana e altiva,
diante da moça palpitante e viva,
assumindo uma olímpica atitude,
falou : - mulher, a tua juventude
é claridade efêmera e fugaz.
É um castelo de cartas; se desfaz,
transformando-se em tristes desenganos
Ao sopro vil dos dias e dos anos.
A Primavera volta, e as flores são
milagre eterno de renovação.
A tua mocidade vai-se embora
e dura sob o espaço de uma hora.
Estremeceram frondes nas áleas.
Ouviram-se zumbidos nas colmeias.
Encheram-se os espaços de chilreios
da Natureza aos trêmulos anseios.

Diante da deusa a jovem se levanta,
dando a palavra ao coração que canta.
Despindo a timidez, fala à Rainha:
- Sou moça e bela e a Natureza é minha.
Tenho ilusões que são o meu tesouro.
Tenho sonhos que valem todo o ouro,
toda a riqueza imensa do Universo.
Tenho a poesia na alma e, em cada verso,
palpitam mundos, resplandecem astros.
Piso de leve a terra e nos meus rastros
brotam flores, cintilam colibris . . .
eu não te invejo, ó deusa, eu sou feliz!
Se a vida não é mais que uma quimera,
a mocidade é mais que a primavera.

Diluíram-se no espaço acordes de harpas.
Vibraram harmonias nas escarpas.
E o som e a luz, tremendo de emoção,
mandaram que as estrelas, na amplidão,
Cantassem, em soberba majestade,
hinos de glória à ida e à Mocidade.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Na primeira página do livro “Alma Errante” o mestre homenageou Mário Mendes Campos, J. Cunha Lages e Theodosio de Aquino, “meus mestres e meus amigos”.
Dedicou alguns sonetos a diletos amigos retribuindo gentilezas. “Idílio Doirado”, ao escritor Edgard de Vasconcelos; “A Orquídea”, ao médico Dr. Carlos Berla e “Sono”, ao poeta Gonçalves da Costa.

JGL

IDÍLIO DOIRADO

Ela era minha e tive-a nos meus braços,
chorei com ela as dores do meu peito. . .
cantamos em uníssono perfeito
como se presos em eternos laços.


Hinos de glória ecoavam nos espaços.
E o meu orgulho esplêndido de eleito
compunha estrofes no conchego estreito
dessa Musa ideal de estranhos traços . . .


Ela – a beleza eterna eterna, imperecível -
livre das contingências, intangível,
segue na rota de ouro das auroras . . .


E eu, que assistí a própria derrocada,
vivo lembrando essa ilusão doirada
no turbilhão dos dias e das horas.

##


A ORQUÍDEA



Planta selvagem, rústica, esquisita,
vivendo à custa de árvores adultas,
com raízes aéreas, insepultas,
no dorso do galho que se agita . . .

- Longe do mundo, alheia às turbamultas,
prefere a condição de parasita
na solidão olímpica, infinita,
das florestas inóspitas, incultas . . . .

No reino virgem da floresta rude
abre-se a flor da orquídea rara e bela,
magnífica na forma e na atitude.


E do mar verde esplêndida sereia
- um pouco de mulher, algo de estrela –
deslumbra os olhos do Homem, que ela odeia.

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O SONO

O sono é fuga, exílio delicioso
espécie de balanço veneziano
todo coberto de um etéreo pano
feito de brisas, leve e vaporoso . . .


A alma liberta do casulo humano
vence abismos no espaço misterioso,
cavalga o próprio sol, corcel fogoso,
colhe estrelas no fundo do oceano.


Fração de morte, fim sem sepultura,
- interlúdio de mágica ventura -
em que o homem se eleva, e sem que o note,


rompe as cadeias deste cativeiro,
como um pagem armado cavaleiro
ou Sancho promovido a D. Quixote

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Bom filho, extremado chefe de família, o mestre em versos inspirados homenageou o pai, em “ALTIVEZ”; à esposa e os filhos, em “BODAS DE PRATA” e os netos em “A MEUS NETOS”. Dificilmente o leitor sensível às coisas simples e importantes da vida deixará de se emocionar com a leitura destes poemas.

JGL


ALTIVEZ

( A meu pai )


Sinto da hostilidade a fera sanha
tolher-me o passo em meio do caminho
em vão o róseo ideal que me acompanha
tenta da estrada desfazer o espinho.


Da humanidade irônica, tamanha,
um riso mau, sarcástico, mesquinho:
Eis o meu companheiro na campanha
rude da vida que travei sozinho.


Mas seguirei impávido, solene,
calcando a inveja cancerosa, infrene,
que em baixo de meus pés formou seu leito.


E deste mundo o estúpido barulho
jamais há de abater o meu orgulho
- única flama que me escalda o peito –

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BODAS DE PRATA

(A minha esposa )

Parece que foi ontem e, no entanto,
já vinte e cinco anos se passaram
desde que as nossas vidas se enlaçaram
num só destino afortunado e santo.


Num revezar de risos e de pranto,
tristezas e alegrias se alternaram.
E nossos filhos, um a um, chegaram,
enchendo a casa de celeste encanto . . .


De nossas lutas as vitórias todas
se resumem apenas nestas bodas,
na expressão emotiva desta data.


Mas, minha amiga, em nossa fronte agora
fulgem clarões de gloriosa aurora
no esplendor dos cabelos cor de prata.

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A meus netos

Quando meus netos estiverem grandes
e a morte me afastar do seu convívio,
talvez um deles se interesse um pouco
por cousas velhas e papéis inúteis,
e abra este livro, então. Rir-se-á talvez . . .
mas é possível que em sua alma ecoem
atávicas ressonâncias . . .
e estes retalhos lívidos de sonho,
na paisagem nevoenta da saudade,
talvez palpitem cheios de ternura
no trêmulo murmúrio de uma benção.
E teremos, então, vencido o tempo e a morte
e cantaremos como dois irmãos . . .

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

O Bêbado e Meu Mistério são dois sonetos produzidos no verdor dos anos do poeta.
Retratam as deficiências e as vicissitudes da existência humana.
O Bêbado pode ser a história de um amigo ou algum conhecido. Ou, simplesmente, uma criação do imaginário do poeta. É atual. Fácil ali identificar-se muitas figuras do nosso dia-a-dia.
Meu Mistério é um lamento, uma confissão, uma constatação dramática, bem a gosto da sensibilidade dos poetas Pode ser uma auto-análise ou uma viagem á alma sofrida de alguém.

JGL


O BÊBADO

Era um rapaz de modos elegantes,
feições bonitas e fidalgos traços,
que andava ás tontas, ensaiando os passos,
trocando as pernas bambas, hesitantes. . .

E quantas vezes, de olhos chamejantes,
falando a sós e sacudindo os braços,
vi-o na rua á moda dos palhaços
fazendo esgares para os circunstantes.

Soube-o mais tarde: ele era um desgraçado
que tinha uma tragédia no passado
e queria esquecer o mal sem cura.

Mas trazia um demônio na memória
que vivia apregoando a sua história,
reproduzindo a sua desventura.

- X X –

MEU MISTÉRIO

Este sorriso alegre que me enflora
o lábio a contar que sou feliz
é como o riso falso de uma atriz,
dissimulando o tédio que a devora.

E a frase zombeteira que me ouvis
deitar sorrindo pela boca a fora
é o fingimento de quem sofre, embora
não se revele no que o lábio diz.

E, num contraste acerbo, enquanto o rosto
tenta ocultar as sombras do desgosto,
este destrói-lhe a primitiva cor . . .

Este sorriso alegre que aparento
é a ironia falaz do sofrimento,
é contratura histérica da Dor.