Comentário
O Bêbado e Meu Mistério são dois sonetos produzidos no verdor dos anos do poeta.
Retratam as deficiências e as vicissitudes da existência humana.
O Bêbado pode ser a história de um amigo ou algum conhecido. Ou, simplesmente, uma criação do imaginário do poeta. É atual. Fácil ali identificar-se muitas figuras do nosso dia-a-dia.
Meu Mistério é um lamento, uma confissão, uma constatação dramática, bem a gosto da sensibilidade dos poetas Pode ser uma auto-análise ou uma viagem á alma sofrida de alguém.
JGL
O BÊBADO
Era um rapaz de modos elegantes,
feições bonitas e fidalgos traços,
que andava ás tontas, ensaiando os passos,
trocando as pernas bambas, hesitantes. . .
E quantas vezes, de olhos chamejantes,
falando a sós e sacudindo os braços,
vi-o na rua á moda dos palhaços
fazendo esgares para os circunstantes.
Soube-o mais tarde: ele era um desgraçado
que tinha uma tragédia no passado
e queria esquecer o mal sem cura.
Mas trazia um demônio na memória
que vivia apregoando a sua história,
reproduzindo a sua desventura.
- X X –
MEU MISTÉRIO
Este sorriso alegre que me enflora
o lábio a contar que sou feliz
é como o riso falso de uma atriz,
dissimulando o tédio que a devora.
E a frase zombeteira que me ouvis
deitar sorrindo pela boca a fora
é o fingimento de quem sofre, embora
não se revele no que o lábio diz.
E, num contraste acerbo, enquanto o rosto
tenta ocultar as sombras do desgosto,
este destrói-lhe a primitiva cor . . .
Este sorriso alegre que aparento
é a ironia falaz do sofrimento,
é contratura histérica da Dor.
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