sábado, 23 de julho de 2011

Gonçalves da Costa

O ILUMINADO

Ele nascera ao sair do sol. Por isso deram-lhe o nome de Iluminado. No registro civil, Iluminado. No registro de batismo, Iluminado (o vigário discordou a princípio ante a beleza esquisita do nome).
Iluminado cresceu. Fez-se homem. Porém homem comum. Uma cabeça, um coração, uma alma . . . Não parecia estúpido. Alguém dizia que o sol, com o qual havia ele nascido, lhe deixara uma réstia presa na individualidade.
No dia seguinte, as núpcias. Resta ao Iluminado, agora, apenas uma noite de solidão e de sonho. E o luar o arrasta para o grande vale, onde viveu a infância e a mocidade . . .
Quando houverem decorrido mais vinte e quatro horas, onde estará ele com a bem amada ? E a pureza daquele amor sempre o encadeará, assim, como que a um misticismo de santuário ?
Hei-lo andando, andando . . . Todos os anjos do luar lhe vêem entornar paisagens e músicas na mente, ternura chovem sobre o seu coração. Sente-se como um polo, sobre o qual incidem todas as belezas do mundo. As poesias, as doces páginas que lei, até então, o que escreveu lhe perpassam diante dos olhos, rodeadas de ilustrações celestes.
Diante dele, nos espaços, a bem amada, num trono encimado por um dossel de músicas. Bem no fundo um jardim de estrelas . . . O Iluminado se lembra de Tagore, o divino Tagore, e como ele, suplica, de mãos estendidas : “Fazei de mim, ó Rainha, o jardineiro do teu florido jardim. Desistirei de qualquer outra glória. Serei, ó Rainha, o jardineiro do teu jardim ! “.
Sua voz é repetida pelas flores e pelas estrelas, e esse coro sobre-humano, ubíquo, vai acordar em seu túmulo distante suave cantor bengali, o qual, estendendo a sua barba de nuvem sobre os abismos , ergue para o Iluminado cânticos ao amor eterno, dentro do grande vale . . .
O Iluminado quer ajoelhar-se, porém o faz em pensamento . . . Depois segue, murmurando frases que Tagore, ou suas flores, ou as estrelas, ou todos eles (não saberia di-lo) escreveram nas lâminas de sua sensibilidade.
“Não detenhas o rio, ó ave, com o teu cântico. As águas também vão cantando, arrancando harmonias das impurezas que lavaram”.
“Os caminhoneiros, vindos de todas as distâncias, se ajoelham diante do altar. O homem estranho, de pé, não vê , perdidos nos seus mundos introspectivos. Os caminheiros se entreolham, escandalizados, e se afastam pois não ouvem o Grande Cântico . . .”
“Uma gota de amor puro caiu sobre a rocha, e dela se elevou uma canção. Vós, que tendes frio no coração, procurai nas nuvens a canção esquiva”.
No alto da colina vários homens espancam um homem indefeso. A cada pancada voam chispas de luz. Sairão elas das carnes seviciadas ? Sairão elas das mãos que torturam ? Tentemos descobrir. Primeiro, porém, arranjemos escadas de mistério, a fim de subirmos aos corações dos homens que flagelam, ao coração dos homens flagelados”.
“A loucura constrói diques na frente dos ventos para que não levem as horas felizes. Existem cadeias prendendo o sorriso das crianças ? “
“Rodeia de flores o teu coração, ó peregrino, e abelhas de luz seguirão contigo, voando nos teus pensamentos”.
A bem – amada se apagou. O mundo inteiro é luar. O Iluminado se engolfa na sua última noite de solidão e de sonho . . .

José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha -64
35350 - 000 - Raul Soares

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