quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

GONÇALVES DA COSTA

COMENTÁRIO

Com muita satisfação apresentamos para deleite dos cultos leitores mais uma bela página do grande Gonçalves da Costa.

José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha – 64
35350 000 -Raul Soares (MG)

EXERCÍCIO

A moça da estrada - sonâmbula dos cabelos virgens - caminha de mãos estendidas, e sobre elas pousam aves de luz, egressas da madrugada. Os ventos selvagens se contêm, nos limites da morte, e o momento ficou parado, encolhido nos recessos das rosas. As mãos têm leveza de séculos e o espaço, perfurado, deixa escorrer nitrogênio misturado com sentimentalismo. A imaginação se enrola num capuz de linho, porque são vedados exercícios de vôo, enquanto mensageiros conversam com as águas, em pensamento, para que não façam barulho nas pedras. Quem trouxe o dia para surpresa da sonâmbula ? Quem a transformou em mistério e a fez volátil, sorriso e miragem, decepcionando os peregrinos ? Tristezas escorrem pelo chão, vão misturar-se com as ervas pisadas, porque rastros nervosos procuram a bela sonâmbula, por céus e terras a procuram.
Busquêmo-la, sim, ó peregrinos, guiemo-nos pelas estradas mortas, soltemos no espaço a nossa matilha de interrogações ofegantes ! As flores e os frutos sorriem de nós porque certamente a estão vendo, ela continua de mãos estendidas, procurando os caminhos que conduzem ao coração . . . Sigamos, contritos mas intrépidos, deixemos para trás as pirâmides do desalento, as planícies do cotidiano, os vales do talvez . . . Os perfumes iluminados dela, a moça da estrada, a sonâmbula, nos levarão ao coração que ela procura, ao fundo do coração, ó peregrinos deliciosamente loucos ! . . .

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

GONÇALVES DA COSTA

COMENTÁRIO

José Eulálio Gonçalves da Costa, ou simplesmente Gonçalves da Costa, foi um poeta – escritor de muita sensibilidade e inspiração.
Deixou muita coisa boa publicada em jornais que não mais existem e cujos arquivos não foram preservados pelos órgãos culturais das cidades em que circularam.
O que vamos publicar nesta série colhemos em um jornal que circulou em Raul Soares na década de 50 - O IMPARCIAL. Ousamos fazê-lo, em que pese a falta de sensibilidade e reconhecimento de muitos aos acontecimentos e pessoas de um passado recente. É uma forma, também, de homenagear a memória do Dr. Hugo de Aquino Leão, um intelectual consumado, e ao Sr. Alcides Toledo da Silva, responsáveis pelo “O IMPARCIAL”.

José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha – 64
35350 000 – Raul Soares (MG)


A clareira da Floresta

(Para o poeta Edward Leão)

A noite arrasta o Poeta. O luar, descendo, é o mesmo fluido imponderável que vem vertendo o delírio nas almas eleitas, através dos séculos. Os ventos e as nuvens, agora, se acham presos na caverna dos grifos de asa gelada.
O Poeta sai de casa. Deixa para trás a cidade, de onde se elevam rezas e blasfêmias. Pela estrada encontra mercadores tangendo bestas. Encontra homens discutindo. Encontra mulheres desacompanhadas, tresandando perfumes infernais. Todos falam, vendo-o passar. É algum louco que vai procurar sepentes na floresta - dizem uns. - É um vagabundo vulgar, que anda à procura de albergue para estender os ossos - dizem outros. Alguns o olham assustados, apontando-o como o salteador Procusto Segundo, temido na região, enquanto as mulheres lhe estendem os braços longos como cobras . . .
E o Poeta segue. Para trás ficam almas de luz e almas de sombra. Ficam cérebros de metal. Ficam mãos trêmulas de ira. Ficam bonecos de lama, envoltos em ouropéis, atraindo o olhar das crianças.
Para o Poeta - ele o sabe - existe uma clareira na floresta , onde, ao luar, acompanhadas pelos instrumentos mágicos dos gnomos, as fadas dansam e entoam cânticos maravilhosos. E ele procura a clareira, onde irá encontrar todas aquelas entidades redivivas, que o tempo inutilmente vem procurando afogar nos seus abismos. Branca de Neve e os Sete Anões lá estarão, hão de cantar e dansar também, com as fadas, suas amiguinhas, ante os olhos deslumbrados do Poeta.
Todos estarão à sua espera. As rosas com certeza foram convidadas para perfumar o ambiente, e também cantarão, pois cada corola é uma boca divina mergulhada em músicas . . . O Poeta segue, resplandescente, cheio de fé. Agora, a asa de uma falena invisível, num sussuro, lhe diz que todos já se acham impacientes, e que os instrumentos, mesmo não tangidos, desferem harmonias. . . O Poeta então se sente leve, tem a impressão de que os seus pés não mais tocam a terra. Ele será como um convidado de honra entre eles, será recebido como uma divindade diante das árvores atônitas, e todos o reconhecerão pelo pensamento . . . O seu íntimo se abrirá para eles . . . Todos o reconhecerão, porque, em pensamento, O Poeta já percorreu o reino das sombras, já rolou entre os ventos tresloucados, já esquadrinhou todas as paragens por onde se escondem todos aqueles seres encantados. As fadas o embriagarão com aromas indefiníveis, dar-lhe-ão a beber o filtro colhido na confluência dos sete rios, depois lhe estenderão os seus livrinhos feitos de pétalas, para que ele escreva poemas . . .
Depois de encharcados pela atmosfera de delícias virgens, sairão pelas vias lácteas da floresta, irão ao palácio da Gata Borralheira, passarão pelos bosques das ninfas, e sorrirão, quando o gnomo afoito tropeçar na bota de sete léguas . . .
Então, cansados da viagem, dançarão as margens do rio, as margens do grande rio.
As fadas e os gnomos, Branca de Neve e os Anões, todos voltarão, enquanto as náiades, elevando-se das águas, rodearão o Poeta, formando uma corola imensa. E, entoando um hino mágico, o levarão sobre as águas, sobre as verdes águas . . .

. . .

O Poeta, como que andando sobre as nuvens, sob o luar, num delírio divino, segue, buscando a clareira da sua floresta de sonho.

domingo, 16 de novembro de 2008

José Eulálio Gonçalves da Costa

NOTAS BIOGRÁFICAS

JOSÉ EULÁLIO GONÇALVES DA COSTA, OU SIMPLESMENTE GONÇALVES DA COSTA - O POETA - CHEGOU A RAUL SOARES PROCEDENTE DE TARUMIRIM, CIDADE SITUADA NA REGIÃO INHAPIM/ITANHOMÍ.
INTEGROU-SE DE TAL FORMA AOS COSTUMES E HÁBITOS DE NOSSA TERRA QUE SE TORNOU UM VERDADEIRO RAUL - SOARENSE.
SUA APARÊNCIA FÍSICA E MODOS TINHAM ALGO QUE NOS LEMBRAVA CARLOS DRUMOND DE ANDRADE, O POETA DE ITABIRA.
TACITURNO, DE TEMPERAMENTO FECHADO, DEIXAVA TRANSPARECER AUSTERIDADE, SEVERIDADE, EGOCENTRISMO E TIMIDEZ.
HABITUALMENTE USAVA BONÉ OU CHAPEU PARA COBRIR A CALVA ACENTUADA QUE LHE ERA INCÔMODA E CAUSA DE DESCONFORTO.
DE CERTA FEITA, EM UM CIRCO, REAGIU ENERGICAMENTE, QUASE CHEGANDO ÀS VIAS DE FATO, ANTE UMA ALUSÃO À SUA CALVÍCIE, FEITA POR UM ARTISTA CIRCENSE, EM UMA BRINCADEIRA DESCUIDADA E SEM INTENÇÃO PREMEDITADA DE OFENDÊ-LO OU RIDICULARIZÁ-LO.
O INOCENTE PALHAÇO, EVIDENTEMENTE NÃO CONHECIA O POETA E SUA OGERIZA E COMPLEXO PELAS DEFICIÊNCIAS CAPILARES DE QUE ERA VÍTIMA POR QUESTÕES GENÉTICAS OU CAUSAS OUTRAS QUE SERIA OCIOSO ENUMERAR OU PERQUERIR.
O POETA DEIXOU O CIRCO COM IMPRECAÇÕES E MAL SATISFEITO COM O OCORRIDO EM UM MOMENTO QUE PROCURAVA LAZER E DIVERSÃO.
À EXEMPLO DE MACHADO DE ASSIS,CARLOS DRUMOND DE ANDRADE, EDWARD LEÃO E TANTOS OUTROS INTELECTUAIS DE ESCOL, GONÇALVES DA COSTA FOI FUNCIONARIO PÚBLICO, ESCRIVÃO DO CARTÓRIO DO CRIME DA COMARCA DE RAUL SOARES, CARGO QUE EXERCEU COM MUITA COMPETÊNCIA E INTEGRIDADE.
DEIXOU OBRA POÉTICA FARTA, PORÉM ESPARSA EM VÁRIAS PUBLICAÇÕES EM MINAS GERAIS.
OS SEUS TEXTOS SÃO DE MUITA INSPIRAÇÃO, LINGUAGEM ESCORREITA E RIQUEZA DE IMAGENS.
FOI POETA COMPLETO, EM PROSA E VERSO, INFLUENCIADO PELA ESCOLA SIMBOLISTA.
NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960 ESTEVE PRESENTE COM MUITA REGULARIDADE NAS PÁGINAS DOS JORNAIS “O IMPARCIAL”, DE RAUL SOARES, E “JORNAL DO POVO”, DE PONTE NOVA .
PUBLICOU EM PROSA:- PÁGINA DE SAUDADE (HOMENAGEM AO PROFESSOR EDWARD LEÃO POR OCASIÃO DE SEU FALECIMENTO), HARPA SEM CORDAS, ILUMINADO, SÍTIO DE FÊNIX, PINCELADAS QUASE AUTOBIOGRÁFICAS DE UM DESCONHECIDO, PASSEIO DE OLHOS FECHADOS, TABOR, ZEBEDEU, PÁGINA ÍNTIMA, TEMA, EXERCÍCIO Nº 2, A CLAREIRA DA FLORESTA (PARA O POETA EDWARD LEÃO). EM VERSOS:- ELES ESTÃO NO FUTURO, SONETO, CÂNTICO, REFLEXO, DEPÓSITO, TRÍDUO, FUGA, HÚMUS, REVISÃO, PROCURA, VIAGEM, ACRÓSTICO, ESPARSAS, BAILARINA, ESCUTA, CANÇÃO LEVE E MUITOS OUTROS.

sábado, 15 de novembro de 2008

Gonçalves da Costa

APRESENTAÇÃO

Este livro resgata a memória do poeta Gonçalves da Costa, um dos maiores poetas mineiros do século XX.
A maioria dos textos foram produzidos durante o tempo que o poeta residiu em Raul Soares, na Rua Camilo de Moura (atual Rua Dr. Gerardo Grossi) e foram publicados nos jornais O IMPARCIAL, de Raul Soares e JORNAL DO POVO, de Ponte Nova (MG).
Gonçalves da Costa foi Escrivão do Cartório do Crime da Comarca de Raul Soares.
Nos idos de 50, o fenômeno de sensibilidade poética “Gonçalves da Costa” mereceu do colunista Adamastor, uma análise mui competente e justa, na coluna “Unhas de Gato”, publicada semanalmente no jornal O IMPARCIAL: “Sua poesia nasce como o orvalho, suave, sem alardes, porem, sempre se renovando, apresentando em cada verso um espetáculo diferente, inédito, maravilhoso. Na prosa, um puríssimo vernáculo alia-se à espantosa facilidade do mestre em narrar as suas aventuras que, quase sempre, parecem absurdas. Podem crer, leitores, que, em certos dias, nossos cérebros não nos pertencem e aquilo que Gonçalves da Costa nos conta ACONTECE verdadeiramente, não só a ele, porem, a todos nós, no mundo diáfano, mas real da fantasia.”

José Geraldo Leal
Rua Rufino Rocha - 64
35350 - 000 - Raul Soares (MG)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Na compilação da obra de Edward Leão não foi possível obedecer uma cronologia; nem tampouco pode ser considerada completa. . . É o que mais lamentamos. . .
A leitura atenta do poeta oferece algumas pistas para se situar o tempo em que foi escrita a sua obra: mocidade, maturidade e velhice.
Pareceu-nos, e este é o motivo desta coluna, que o JORNAL DE RAUL SOARES seria o repositório ideal para se preservar e guardar para a posteridade a parte da obra do mestre que conseguimos alcançar em nossas pesquisas.
Jonathan, responsável pelo jornal, tem demonstrado preocupação com a cultura e com a história de Raul Soares.
Mantém ordenadamente arquivados os jornis, desde o primeiro, a partir da Folha de Raul Soares.
São mais de vinte anos da história municipal. Isso é elogiável, num tempo em que alguns demonstram pouco apreço ao que se passou em que pese ser “o passado a única coisa morta que tem um cheiro agradável”, como o disse Edward Thomas em Early one morning.
Nenhum dos jornais publicados em Raul Soares, em todos os tempos - e posso garantir que não foram poucos - deixaram tal acervo.
Finalizamos a coletânea de Edward Leão com o soneto “Riqueza”.
A riqueza do poeta não se confunde com um amontoado de ouro ou de bens materiais de outra espécie. É um sonho:- O céu com seu teto iluminado. Palácio esplêndido, encantado, onde se brinca como criança.

JGL


RIQUEZA


Sou pobre, roto, esquálido mendigo,
sozinho, incompreendido, escorraçado . . .
corpo sem teto e alma sem abrigo
- raro exemplar de um clã desbaratado.

Venho talvez de um tempo muito antigo,
de uma era longínqua do passado.
Sinto que o mundo nada quer comigo
Ee a minha vida á de um desajustado.

Mas, em noites de insônia e de tormento,
ás vezes ponho o olhar no firmamento
á procura de luz e de esperança.

E sonho : - 0 céu é o teto iluminado
do meu palácio esplêndido, encantado,
onde posso brincar como criança . . .

sábado, 18 de outubro de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Spinoza ou Spinosa, filosofo holandês, de origem portuguesa, adotou a forma mais rigorosa do panteísmo, que é o sistema daqueles que identificam Deus e o mundo. Em uma simples pétala de rosa encontram-se infinitos de luz e de harmonia irradiando a presença de Deus. Nisso inspirou-se o mestre compondo um dos seus mais belos sonetos.

JGL


PANTEISMO


Há numa simples pétala de rosa
infinitos de luz e de harmonia,
soluços de astros, sóis em plena orgia,
Íris(1) florais em festa misteriosa . . .


Treme-lhe a carne, a derme voluptuosa.
Vibram nervos à flor da tez macia.
E uma alma de mulher se denuncia
no enrubescer da pétala medrosa . . . .


E como a virgem no esplendor de um beijo,
no alvorecer do amor e do desejo,
entre clarões de acesos rosicleres,


Trêmula e viva a pétala palpita.
O seu perfume é a ânsia que se agita
na alma da flor, na boca das mulheres.


////////////////


(1) IRIS - mensageira dos deuses, metamorfoseada por Juno em arco – iris.
(Mitologia).

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Uma tapera abandonada despertou a atenção e aflorou o poder de criação do poeta. Isso é próprio dos privilegiados, cultores das coisas do espírito, cuja sensibilidade e poder de sentir e observar lhes dá condições de deixar marcas ad – aeternum na sua passagem pelo Planeta Terra.
Na visão do poeta a tapera abandonada, mergulhada num silêncio de morte e ruínas, ressuscita à luz do sol miraculoso.

JGL


TAPERA ENSOLARADA


Há um silêncio de morte nas ruínas
desta velha tapera abandonada;
nem os ecos de antigas cavatinas,
nem a mais leve ressonância . . . nada.


Suavidades de mágicas surdinas
diluídas na paisagem desolada . . .
gorjeios de gargantas argentinas
dormem no abismo da última alvorada.


Sobre o fúnebre manto do abandono
passam asas vampíricas de sono,
adejam sombras lúgubres de agouro . . .


Mas, vem o sol. Milagre que se opera :
Ressuscita o cadáver da tapera,
Põe-se a dançar amortalhado em ouro.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


“Silencio” é retrospectiva de uma vida. Ontem: - “Tudo cantava em derredor de mim. ‘’ “Hoje . . . abismada no silencio ambiente, minha alma tenta, mísera, impotente, ressuscitar sonoras emoções . . .”
Afinal: - “Mas, se lá fora os sons já não ecoam, reboam nas íntimas abóbadas reboam mudas, silentes, tácitas canções”.

JGL


SILENCIO


Tudo cantava em derredor de mim.
Era uma longa festa dos sentidos,
um concerto de harmônicos ruídos,
uma alegria que não tinha fim.


A minha própria voz, como um clarim,
vinha repercutir nos meus ouvidos,
despertando mil sons desconhecidos
nas vibrações desse íntimo festim.


Hoje . . . . abismada no silencio ambiente,
minha alma tenta, mísera, impotente,
ressuscitar sonoras emoções . . .


Mas, se lá fora os sons já não ecoam,
nas íntimas abóbadas reboam
mudas, silentes, tácitas canções.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


A noite é um momento de pausa e de meditação. E de muitos e insondáveis mistérios. Os fantasmas se libertam e soberanos ocupam os seus espaços. “Trevas por toda parte, dentro e fora da alma noturna do infeliz que chora. Mas, no negrume dessa imensidade, há sempre uma ilusão de claridade – resto de luz das últimas estrelas - “
A magia da noite inspirou o poeta e assim nasceu “Noturno”.

JGL


NOTURNO


Dentro da noite cheia de pavores,
Perpassam arrepios e lamentos :
É a serenata trágica dos ventos
na bárbara expressão das grandes dores . . .

Nos recônditos mundos interiores,
onde negrejam sombras e tormentos,
há fanfarras de estranhos instrumentos,
gemendo e uivando em tétricos clangores . . .

Trevas por toda parte, dentro e fora
da alma noturna do infeliz que chora
- trevas sinistras, gêmeas, paralelas -

mas, no negrume dessa imensidade,
há sempre uma ilusão de claridade
- resto de luz das últimas estrelas -

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Em “Lágrimas” o poeta vislumbra em cada gota o brilho de uma esperança. Num tempo em que as lágrimas era quase que um privilégio feminino o mestre diz: “ Lágrimas ? Verto-as . . . verto-as e, no entanto, sou homem - pobre filho da desgraça - “

JGL



LÁGRIMAS


Lágrimas ? Verto-as . . . verto-as e, no entanto,
sou homem - pobre filho da desgraça -
e quem no mundo existirá que passa
sem ver correr a linfa do seu pranto ?


Ninguém. Por isso eu choro. A negra massa
que forma a nuvem não se extingue enquanto
não descarrega do enfunado manto
aa água que cai em flocos de fumaça.


Choro e sou homem. Quem, dirá que um homem,
sejam quaisquer as mágoas que o consomem,
volte aos papéis ingênuos de criança !


Mas, a lágrima às vezes me consola.
E em cada gotas que na face rola

vejo outra vez brilhar uma esperança.

sábado, 13 de setembro de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

No soneto “CREDO” o poeta faz a apologia do Bem, da Virtude e reconhece a existência de um Deus, “um Soberano, que empresta sempre um sonho à juventude e uma esperança em flor ao desengano.” O afeto humano e o Amor, torna o mundo sempre mais risonho, proclama o poeta.

JGL

CREDO

Creio no Bem e creio na Virtude.
Creio que existe um Deus, um Soberano,
que empresta sempre um sonho à juventude
e uma esperança em flor ao desengano.


Creio que o Bem existe e, embora estude
do Mal, da Hipocrisia o eterno arcano,
jamais descrente conservar-me pude
ante a grandeza de um afeto humano.


Creio no Amor . . . no amor das almas puras,
no grande amor que empolga as criaturas
e torna o mundo sempre mais risonho.


Creio que o mundo é bom e, na verdade,
quem faz o bem acreditar não há de
que o Bem na terra seja sempre um sonho !

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

“Vida Dolorosa” conta uma vida sofrida na qual o destino alterna, em crises de delírio, um duplo papel de arcanjo e de sicário. Paladar de abutre, cuja felicidade se nutre na chaga luminosa, astral do seu tormento.

JGL

VIDA DOLOROSA

A minha vida é um belo, esplêndido martírio,
risonha sucessão de cruzes num calvário,
gotas de sangue e suor nas pétalas de um lírio,
clarão de apoteose em fúnebre cenário . . .

Como se fosse um rei, um soberano assírio,
Sardanapalo (1) alegre e sanguinário,
o meu destino alterna, em crises de delírio,
o seu duplo papel de arcanjo e de sicário . . .

Nas transfigurações constantes desta vida,
Sinto-me mais feliz com a alma dolorida,
em pranto, a soluçar, no longo sofrimento . . .

E, como se tivesse o paladar do abutre,
minha felicidade esdrúxula se nutre
na chaga luminosa, astral, do meu tormento.



(1) - Sardanapalo - personagem lendária, que a tradição clássica faz rei da Assíria de 836 a 817 a. J.C. e último descendente da fabulosa Semiramis (rainha lendária da Assíria e de Babilônia, a quem é atribuída a fundação dos jardins suspensos e que excedeu em glória o próprio rei, seu marido). Sardanapalo é o tipo do príncipe devasso, covarde, efeminando, mas esse tipo nada tem de autêntico.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Homo é o nome genérico da espécie humana e das espécies fósseis mais próximas. Três as espécies sucessivas: Homo habilis, Homo erectus e a atual, Homo Sapiens. O mestre glosou o Homo Sapiens num inspirado soneto que mostramos a seguir.
Metazoário, referido pelo poeta, é o animal, que, segundo teorias de Ernesto Haeckel, naturalista alemão, possui orgãos celulares diferenciais.

JGL


HOMO SAPIENS

Homem ! Vaidoso que és, simples metazoário
dotado de razão. Teu antropocentrismo
vive dentro de ti, como um microorganismo
cantando o teu poder imenso, extraordinário . . .

Microscópico deus, pigmeu no grande abismo
- Filho da poeira astral ou de um cosmozoário -
descendente, talvez de humílimo espongiário
ou flor da terra-mãe em santo paroxismo.

És grande, és forte, és sábio, és quase onipotente,
és uma multidão de vidas celulares
em perfeito equilíbrio e em função permanente.

És uma força em marcha, um poder intranqüilo
a querer desvendar os mundos estelares
em busca de outro irmão, na ânsia de destruí-lo.

-x-

Em “Velho Poeta” o Mestre está nostálgico e melancólico.


VELHO POETA

Alma de luz banhada intensamente,
boiando à flor das águas do destino,
o velho poeta é quase um inocente
na ingenuidade eterna de menino.

E novo Homero ancião, cego e divino,
tange as cordas da lira e a toda gente
leva o clamor de um canto peregrino
- velha cigarra sempre adolescente -

na sucessão de albores e negrumes,
de sombras e auroras boreais,
seu coração é um frasco de perfumes,

sempre aberto a espalhar na imensidade
os aromas eternos, imortais,
- velho incensório azul da Humanidade -

sábado, 23 de agosto de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Vivere est cogitare ( viver é pensar )
(Cícero (filosofo, estadista e orador romano)

Comentário

Um velho barco . . . as águas de um rio (talvez um dos nossos: o Matipó ou o Santana) , compõem o quadro delineado pelo poeta na criação de “O BARCO”.
E na fantasia do poeta o barco tem uma quase-vida, singrando a água “em coleios de fauno voluptuoso”, beijando-a e provocando um frêmito nervoso e arrepios na sua “epiderme alvinitente”. Parece feliz, sem dor, sem mágoa, sobre um destino plácido e sereno. E o remador, impregnado de uma sensação estranha, vê o céu refletido na água e dentro de si o paraíso.

JGL


O BARCO


Velho cisne, sonâmbulo, dormente,
embalado, num sonho delicioso,
lá vai o barco, vagarosamente,
em coleios de fauno voluptuoso.

E beija e lambe o dorso reluzente
da água do rio. Um frêmito nervoso
Arrepia a epiderme alvinitente
do rio langue em êxtase amoroso.

E o barco tosco, rústico, pequeno,
parece um ser feliz, sem dor, sem mágoa,
sobre um destino plácido e sereno.

E o remador lá vai remando a esmo,
tendo a visão do céu lá dentro da água
e o paraíso dentro de si mesmo.

domingo, 17 de agosto de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Nos versos de “Jogo de Cartas” o mestre descreve as emoções que as cartas, tal qual um ser humano e vivo transmite ao jogador; a magia dos seus símbolos vermelhos e pretos; e as mágicas e ilusões do jogo que fundem trevas e fabricam luzes.


JOGO DE CARTAS


Quando a carta palpita entre os seus dedos,
no esfuzilar do lance decisivo,
dá-lhe a impressão de um ser humano e vivo,
a revelar seus íntimos segredos . . .

Homem-menino, em meio de brinquedos,
É um ser humano, simples, afetivo,
que, de repente, ríspido, impulsivo,
penetra infernos, rompe abismos tredos . . .

Vermelho e negro : fogo, incêndio e morte . . .
que símbolos estranhos os da sorte !
- losangos, corações e negras cruzes . . .

No jogo há mágicas de ilusionistas,
milagres de faquires e alquimistas
que fundem trevas e fabricam luzes.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


A leitura do soneto “Velha Estrada” faz-nos acreditar ter o mestre o composto em um momento de melancolia, desilusão e decepção. Ou, quem sabe, trata-se de meras imagens poéticas? “ Minha alma é velha estrada esburacada cheia de sulcos longos e profundos.” Lamenta que “nem o tropel dos sonhos vagabundos” já não está presente nessa estrada como ocorria em “ tempos idos, prósperos, fecundos”. É o que costuma acontecer às pessoas.
Reconhece que “há uma vegetação que sempre nasce sobre os caminhos velhos, esquecidos, para cobrir-lhe a hedionda face”. Concluindo, quão triste é a uma alma assim se expor, “de escombros nus, patentes e despidos, na exaltação inglória da vergonha.”

JGL


VELHA ESTRADA


Minha alma é velha estrada esburacada,
cheia de sulcos longos e profundos,
- caminho que conduz a ignotos mundos
perdidos na distância ilimitada -

alma deserta e só . . . silêncio e nada . . .
nem o tropel dos sonhos vagabundos
que em tempos idos, prósperos, fecundos,
galopavam garbosos nessa estrada . . .

Há uma vegetação que sempre nasce
sobre os caminhos velhos, esquecidos,
para cobrir-lhe a hedionda face.

Mas, é triste que uma alma assim se exponha,
de escombros nus, patentes e despidos,
na exaltação inglória da vergonha .

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

"Miragem Desfeita” é um retrato de vida. Pode ser uma auto – análise. Pode também ser devaneios do poeta. A sua leitura, contudo, faz-nos meditar e leva-nos à individualização.

JGL


MIRAGEM DESFEITA


Visionário que fui : quantas quimeras
Alimentei nos tempos de menino !
Grandezas, glórias, luxo peregrino,
Fausto sem par sonhei naquelas eras.

Depois cresci; floridas primaveras
nutriram de perfume o meu destino.
Fui um eleito, um ser semidivino,
Um singrador de altíssimas esferas.

Passou-se o tempo. Agora envelhecendo,
Meu grande sonho vai-se dissolvendo
de minha alma aos íntimos refolhos . . .

E o meu castelo ideal de tantos anos
vai-se diluindo ao sol dos desenganos
e se desfaz em lágrimas nos olhos.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

As obras artísticas - poesias. . . pinturas. . . - representam o estado emocional do seu autor no momento da criação. Nem sempre, porém, de cunho individual. O “ POEMA NEGRO “ deixa transparecer amargura no fim de uma luta gloriosa e vitoriosa. Catástrofe de fim, pânico e desespero, muita cousa de Dante o divino Dante, e um pouquinho de Homero, como fala o poeta.

JGL

POEMA NEGRO

Os meus poemas têm ruídos de estertores
ritus e contorções, espasmos de agonia,
algo de sepulcral sobre a fisionomia
na estranha lividez dos últimos palores . . .

São câmaras de morte enfeitadas de flores,
vésperas de velório, esboços de elegia;
cantos de pôr – do - sol, nénias de fim do dia,
na cristalização total das grandes dores . . .

Catástrofes de fim, pânico e desespero
- muita cousa de Dante e um pouquinho de Homero,
últimos quadros da alma atormentada e exangue,

Mas, se em meus versos há ressaibos da cicuta
Que me dão a beber ao término da luta,
é que sinto o torpor da morte no meu sangue.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A sensibilidade anímica do poeta; o aspecto social; as atribulações e os sofrimentos da vida humana estão no soneto “O CARREGADOR”.

JGL


O CARREGADOR


Vergado ao peso enorme do volume
e ruminando o fel da vida amarga,
eis o homem cuja vida se resume
em ser paciente azêmola de carga.

Doem-lhe os rins e sente em cada ilharga
a pressão de um punhal de afiado gume
- Atlas de dorso nu e espádua larga
que canta por disfarce ou por costume –

Ó meu irmão de músculos retesos,
de olhos em brasa eternamente acesos
e compleição de lutador romano,

eu não invejo o teu vigor de atleta,
porque na alma raquítica de poeta
carrego o peso do tormento humano.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Quando for escrita a “ HISTÓRIA DO ENSINO” em Raul Soares o mestre Edward Leão terá um lugar de destaque. Foi professor do Ginásio São Sebastião, desde a sua fundação nos anos 40; uma iniciativa louvável do Prof. Alberto Álvaro Pacheco, educador de Viçosa.
Em 1945, em conseqüência de algumas turbulências administrativas, assumiu a direção do São Sebastião o médico Dr. Heitor Soares de Moura, figura humana admirável, descendente do Dr. Raul Soares, influente político mineiro com destacada atuação no País e em Minas Gerais.
Foi a fase áurea do Ginásio São Sebastião, transformado em Instituto São Sebastião, já sob a direção do Dr. Hugo de Aquino Leão, que se tornou o proprietário do estabelecimento de ensino. Os cursos Normal e de Contabilidade foram incluídos no currículo dando, assim, a muitos pais, condições de uma melhor preparação escolar para os seus filhos e uma ferramenta de trabalho para os mesmos. Além de que, abriu para muitos o caminho para a faculdade.
O mestre Edward Leão, um amante da música, presenteou o Ginásio São Sebastião com a letra e música do hino oficial da saudosa Casa de Ensino. Uma página de saudade que certamente emoções proporcionará aos ex – alunos do São Sebastião.

JGL


HINO OFICIAL DO GINÁSIO SÃO SEBASTIÃO


Primeira parte

Colegas cantemos alegres, ufanos,
a glória sem par deste facho de luz !
Farol que ilumina e desvenda os arcanos
do livro que ensina, aprimora e conduz !

Estribilho

Ginásio querido ! Jamais esquecido,
serás na memória de quem te conhece !
És límpida fonte, dourado horizonte,
aurora que fulge, rosal que floresce !

Segunda parte

Saudamos as cores nos teus arrebóis,
querido Ginásio de São Sebastião !
rosário de gemas, de estrelas, de sóis
Formando diadema de luz n’amplidão.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

O soneto “Árida Paisagem” parece-nos uma auto - análise.
“No áspero deserto da vida passaram caravanas de ilusões, marchando a esmo como estranhas e fantásticas visões. “ E afoito, “ como um sonho louco” acaba sumindo no abismo de um areal.

JGL

ÁRIDA PAISAGEM

De minha vida no áspero deserto
passaram caravanas de ilusões,
marchando a esmo, sob o céu aberto,
como estranhas, fantásticas visões . . . .


Tentavam repousar no abrigo incerto
que a ventura constrói nos corações
- esses oásis que se vêem perto
no lampejar das alucinações -

no meio delas, beduíno errante,
com clarões de apoteose no semblante,
ia a galope o príncipe Ideal . . .


Sublime e afoito como um sonho louco,
fugia na distância, pouco a pouco,
sumindo-se no abismo do areal.

sábado, 28 de junho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A força da renovação se faz presente na vida e nas atividades humanas. Vibração e trabalho são diretrizes básicas. Da terra magnânima novos frutos surgem a cada dia. E o homem, pobre mortal, revive na família como um prolongamento da sua existência levando ao infinito “sua eterna aflição, seu destino maldito.”
Em palavras vibrantes e convincentes o mestre Edward Leão firma conceitos e toca a nossa alma e o nosso espírito no poema “Renovação”.

JGL


RENOVAÇÃO


Em tudo há vibração de vida e de trabalho;
Quer no choque brutal da bigorna e do malho,

no estrídulo ranger das limas e das serras,
no contínuo rodar do arado sobre as terras,
quer na mão que semeia ou na que colhe os frutos,
nos pés que galgam sós os alcantis abruptos,
nos que pisam de leve as lajes dos mosteiros,
nos que caminham nus por entre os espinheiros,
nos braços que erguem pás e movem as charruas,
nos que, pelo dever, vibram espadas nuas.
Em toda parte há força, há vibração, há vida,
músculos em ação, energia perdida,
seiva que se consome e sempre se renova,
nessa existência velha e eternamente nova.
Vidas em transição, em curso, em movimento . . .
Tomba da haste uma flor, nasce um novo rebento,
e o fruto que apodrece inútil sobre a terra
é somente que brota e que outra vida encerra.
Nesse eterno vaivém, nessas alternativas,
Baloiçam gerações - humanas forças vivas -
que se gastam na mó – ciclópica da luta.
Pobres entes em choque, em trágica disputa
pela conservação egoísta do ser :
Homens que são mortais mas que hão de reviver
na prole que prolonga e leva ao infinito
sua eterna aflição, seu destino maldito.

sábado, 21 de junho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Em “Procelas” o poeta bosqueja a sensação de alguém arremetido a esmo, em desvario, dançando ao som de uma flauta bárbara, comparando-o a um náufrago, subjugado pelo mar colérico e selvagem.
O destino de todo ser humano tem muito de comum ao quadro que, com requinte, está explícito nas palavras do mestre Edward Leão.

JGL

PROCELAS

O mar bramindo, o mar uivando, o mar
colérico a espumar como um demente
arroja o náufrago ora para a frente
ora para o outro lado a praguejar.

É um felino titânico a gozar
o suplício da vítima impotente:
quer espremer-lhe a vida lentamente,
aniquilando-a, aos poucos, devagar . . .

Também o meu destino é como o oceano:
brinca comigo num delírio insano,
com crueldades torvas de felino.

Arremessado a esmo, em desvarios,
eu danço nesta vida aos sons bravios
da flauta bárbara do meu destino.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


O cinqüentenário sempre mexe com o emocional das pessoas.
Começo do fim, dizem os mais céticos.
Com o avanço da ciência, outra é a perspectiva.
O cinqüentenário pode ser considerado o marco de uma fase das mais produtivas e realizadoras do homem; com fundamentos sólidos calcados na experiência e conhecimentos acumulados.
Provavelmente, neste século, o estigma dos cinqüenta ceda espaço para os cem nas preocupações existenciais humanas.
O mestre Edward Leão em dois sonetos - “Crepúsculo” e “Velho Poeta” - se ocupou do assunto, com a maestria habitual .

JGL

CREPÚSCULO

Aproxima-se o meu cinqüentenário,
como um imperativo da existência:
Traz na boca o sorriso de clemência
de um patriarca valetudinário.

Durante a vida, em cada aniversário,
desde a fronteira azul da adolescência,
guardei moedas de reminiscência
do coração no humilde relicário.

E permutando os sonhos por lembranças
fui-me despindo, aos poucos, de esperanças,
sabendo envelhecer como uma planta.

Porque o segredo da felicidade
é transformar o sol da mocidade
em noite de luar tranqüila e santa.

/// ## ///


VELHO POETA

Alma de luz banhada intensamente,
boiando à flor das águas do destino,
o velho poeta é quase um inocente
na ingenuidade eterna de menino.

E, novo Homero ancião, cego e divino,
tange as cordas da lira e a toda gente
leva o clamor de um canto peregrino
- Velha cigarra sempre adolescente –

Na sucessão de albores e negrume,
de sombras e auroras boreais,
seu coração é um frasco de perfumes,

sempre aberto a espalhar na imensidade
os aromas eternos, imortais,
- Velho incensório azul da Humanidade -

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


Os poetas de todas as nações, raças, idade e crenças religiosas, vivem harmoniosamente em um mundo muito especial, cheio de magia e belezas mil - O MUNDO DOS SONHOS E DAS FANTASIAS. Cantam a Natureza, falam de alegrias e das tristezas, rejubilam com a felicidade, sofrem com as fatalidades.
Viajando por este mundo imaginário deparamos o poeta maior de Raul Soares - Edward Leão. Deixemo-nos invadir pelo seu estilo elegante, pela riqueza das imagens, pela linguagem pura e a profundidade de suas análises e conceitos, frutos da sua cultura invejável. A poesia de Edward Leão retrata gente, costumes, anseios, angústias, paixões, esperanças . . .
Um tema árido e incomum - FEIO -, motivou a criação de um soneto de estrofes bem concatenadas e estruturadas.

JGL

FEIO

Feio, hediondo - Quasímodo (1) ou Vulcano (2)
corpo mal feito, exóticas feições,
hei-lo a integrar o aglomerado humano,
embora incluído entre as aberrações . . .

Passa a vida a enganar-se e, nesse engano,
tem delírios de estranhas proporções :
Julga-se um mago, um semi – deus indiano
e se desdobra em transfigurações . . .

Vive exilado em meio à humanidade -
constrangido em complexos de humildade,
vai bebendo a amargura em alta dose.

Inveja a larva que há de ser falena :
- Bem mais feliz é aquela irmã pequena
Que espera a glória da metamorfose . . .


NOTAS

(1) Quasímodo - Indivíduo deformado; mostrengo. Personagem de Notre – Dame de Paris (O corcunda de Notre – Dame), de Victor Hugo. É o sineiro da catedral de Notre – Dame que, segundo uma concepção cara ao escritor, oculta, sob o aspecto grotesco de suas deformações físicas, a mais sublime delicadeza de sentimento.
(2) Vulcano, o deus do fogo e do metal dos Romanos, filho de Júpiter e de Juno, marido de Vênus. Quando nasceu, era tão feio que a mãe o precipitou do Olimpo (nome de várias montanhas da Grécia antiga); o infeliz caiu na ilha de Lemnos (ilha grega do Arquipélago, hoje Lemno) e ficou coxo. Estabeleceu debaixo do Etna (vulcão da Sicília) forjas, onde trabalhava com os Ciclopes (segundo a Fábula gigantes monstruosos, com um só olho no meio da testa. A história supõe que esse nome designa os primeiros habitantes da Sicília).

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

O soneto é uma composição de origem italiana com fórmulas definidas de apresentação. O último verso deve encerrar a essência dos pensamentos, numa expressão perfeita, sendo considerado a chave de ouro da composição.
O mestre Edward Leão foi no gênero um competente e inspirado poeta.
Atendendo à solicitação de admiradores lançou na primeira página de álbuns os sonetos “ÀTRIO” e “PÓRTICO” .

JGL


ÁTRIO

Um livro em branco é um coração de criança
sem imagens, sem cor e sem tormentos.
- terra virgem à espera de rebentos -
- mundo povoado apenas de esperança -

Álbum . . . solo feraz onde se lança
A sementeira dos encantamentos
Que desabrocham ao sabor dos ventos
nas corolas doiradas da lembrança . . .

E cada folha branca em que se escreve
perde a alvura puríssima da neve
e toma a cor de cada inspiração . . .

Ó tu, que vais abrir este livrinho,
abre-o, mas com cuidado e com carinho:
Olha que estás abrindo um coração!

- # # -


PÓRTICO

Neste livro de versos escolhidos
pelo gosto sutil de uma rainha
talvez pareça grande audácia minha
lançar meus versos tão descoloridos.

Mas as entradas dos jardins floridos
nem sempre têm o encanto que convinha . . .
ao contemplá-las nunca se advinha
o esplendor dos tesouros escondidos . . .

E embora aqui devesse estar um poema
- arco de luz numa fachada nobre -
de fronte real esplêndido diadema -

só pus estas estrofes. Mas, sou franco,
e penso que esta página tão pobre
melhor seria que estivesse em branco . . .

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

A explosão da Natureza - presente na primavera - a estação mais bela do ano, é cantada em prosa e verso. Em o poema “A PRIMAVERA” o poeta confronta a “humana mocidade” e o despertar da Natureza para concluir pela harmonia com “hinos de glória à Vida e à Mocidade”. É uma composição com muitas estrofes, ao estilo das Escolas Provençal e Palaciana ou Espanhola.

JGL

A PRIMAVERA


Numa noite de festas e esplendores,
em turbilhões de luzes e de cores,
uma jovem de exótica beleza
viu surgir de uma alfombra a Natureza,
vestida de estrelas e de rosas,
que, vindo de regiões misteriosas,
como uma nova e esplêndida Belkis,
por um capricho, aquela noite, quis
mostrar ao mundo a sua majestade
e encher de inveja a humana mocidade,
que se dizia irmã da primavera,
eternizando uma infantil quimera.

E a deusa augusta, soberana e altiva,
diante da moça palpitante e viva,
assumindo uma olímpica atitude,
falou : - mulher, a tua juventude
é claridade efêmera e fugaz.
É um castelo de cartas; se desfaz,
transformando-se em tristes desenganos
Ao sopro vil dos dias e dos anos.
A Primavera volta, e as flores são
milagre eterno de renovação.
A tua mocidade vai-se embora
e dura sob o espaço de uma hora.
Estremeceram frondes nas áleas.
Ouviram-se zumbidos nas colmeias.
Encheram-se os espaços de chilreios
da Natureza aos trêmulos anseios.

Diante da deusa a jovem se levanta,
dando a palavra ao coração que canta.
Despindo a timidez, fala à Rainha:
- Sou moça e bela e a Natureza é minha.
Tenho ilusões que são o meu tesouro.
Tenho sonhos que valem todo o ouro,
toda a riqueza imensa do Universo.
Tenho a poesia na alma e, em cada verso,
palpitam mundos, resplandecem astros.
Piso de leve a terra e nos meus rastros
brotam flores, cintilam colibris . . .
eu não te invejo, ó deusa, eu sou feliz!
Se a vida não é mais que uma quimera,
a mocidade é mais que a primavera.

Diluíram-se no espaço acordes de harpas.
Vibraram harmonias nas escarpas.
E o som e a luz, tremendo de emoção,
mandaram que as estrelas, na amplidão,
Cantassem, em soberba majestade,
hinos de glória à ida e à Mocidade.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Na primeira página do livro “Alma Errante” o mestre homenageou Mário Mendes Campos, J. Cunha Lages e Theodosio de Aquino, “meus mestres e meus amigos”.
Dedicou alguns sonetos a diletos amigos retribuindo gentilezas. “Idílio Doirado”, ao escritor Edgard de Vasconcelos; “A Orquídea”, ao médico Dr. Carlos Berla e “Sono”, ao poeta Gonçalves da Costa.

JGL

IDÍLIO DOIRADO

Ela era minha e tive-a nos meus braços,
chorei com ela as dores do meu peito. . .
cantamos em uníssono perfeito
como se presos em eternos laços.


Hinos de glória ecoavam nos espaços.
E o meu orgulho esplêndido de eleito
compunha estrofes no conchego estreito
dessa Musa ideal de estranhos traços . . .


Ela – a beleza eterna eterna, imperecível -
livre das contingências, intangível,
segue na rota de ouro das auroras . . .


E eu, que assistí a própria derrocada,
vivo lembrando essa ilusão doirada
no turbilhão dos dias e das horas.

##


A ORQUÍDEA



Planta selvagem, rústica, esquisita,
vivendo à custa de árvores adultas,
com raízes aéreas, insepultas,
no dorso do galho que se agita . . .

- Longe do mundo, alheia às turbamultas,
prefere a condição de parasita
na solidão olímpica, infinita,
das florestas inóspitas, incultas . . . .

No reino virgem da floresta rude
abre-se a flor da orquídea rara e bela,
magnífica na forma e na atitude.


E do mar verde esplêndida sereia
- um pouco de mulher, algo de estrela –
deslumbra os olhos do Homem, que ela odeia.

- ## -

O SONO

O sono é fuga, exílio delicioso
espécie de balanço veneziano
todo coberto de um etéreo pano
feito de brisas, leve e vaporoso . . .


A alma liberta do casulo humano
vence abismos no espaço misterioso,
cavalga o próprio sol, corcel fogoso,
colhe estrelas no fundo do oceano.


Fração de morte, fim sem sepultura,
- interlúdio de mágica ventura -
em que o homem se eleva, e sem que o note,


rompe as cadeias deste cativeiro,
como um pagem armado cavaleiro
ou Sancho promovido a D. Quixote

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Bom filho, extremado chefe de família, o mestre em versos inspirados homenageou o pai, em “ALTIVEZ”; à esposa e os filhos, em “BODAS DE PRATA” e os netos em “A MEUS NETOS”. Dificilmente o leitor sensível às coisas simples e importantes da vida deixará de se emocionar com a leitura destes poemas.

JGL


ALTIVEZ

( A meu pai )


Sinto da hostilidade a fera sanha
tolher-me o passo em meio do caminho
em vão o róseo ideal que me acompanha
tenta da estrada desfazer o espinho.


Da humanidade irônica, tamanha,
um riso mau, sarcástico, mesquinho:
Eis o meu companheiro na campanha
rude da vida que travei sozinho.


Mas seguirei impávido, solene,
calcando a inveja cancerosa, infrene,
que em baixo de meus pés formou seu leito.


E deste mundo o estúpido barulho
jamais há de abater o meu orgulho
- única flama que me escalda o peito –

- ## -

BODAS DE PRATA

(A minha esposa )

Parece que foi ontem e, no entanto,
já vinte e cinco anos se passaram
desde que as nossas vidas se enlaçaram
num só destino afortunado e santo.


Num revezar de risos e de pranto,
tristezas e alegrias se alternaram.
E nossos filhos, um a um, chegaram,
enchendo a casa de celeste encanto . . .


De nossas lutas as vitórias todas
se resumem apenas nestas bodas,
na expressão emotiva desta data.


Mas, minha amiga, em nossa fronte agora
fulgem clarões de gloriosa aurora
no esplendor dos cabelos cor de prata.

- ##-

A meus netos

Quando meus netos estiverem grandes
e a morte me afastar do seu convívio,
talvez um deles se interesse um pouco
por cousas velhas e papéis inúteis,
e abra este livro, então. Rir-se-á talvez . . .
mas é possível que em sua alma ecoem
atávicas ressonâncias . . .
e estes retalhos lívidos de sonho,
na paisagem nevoenta da saudade,
talvez palpitem cheios de ternura
no trêmulo murmúrio de uma benção.
E teremos, então, vencido o tempo e a morte
e cantaremos como dois irmãos . . .

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

O Bêbado e Meu Mistério são dois sonetos produzidos no verdor dos anos do poeta.
Retratam as deficiências e as vicissitudes da existência humana.
O Bêbado pode ser a história de um amigo ou algum conhecido. Ou, simplesmente, uma criação do imaginário do poeta. É atual. Fácil ali identificar-se muitas figuras do nosso dia-a-dia.
Meu Mistério é um lamento, uma confissão, uma constatação dramática, bem a gosto da sensibilidade dos poetas Pode ser uma auto-análise ou uma viagem á alma sofrida de alguém.

JGL


O BÊBADO

Era um rapaz de modos elegantes,
feições bonitas e fidalgos traços,
que andava ás tontas, ensaiando os passos,
trocando as pernas bambas, hesitantes. . .

E quantas vezes, de olhos chamejantes,
falando a sós e sacudindo os braços,
vi-o na rua á moda dos palhaços
fazendo esgares para os circunstantes.

Soube-o mais tarde: ele era um desgraçado
que tinha uma tragédia no passado
e queria esquecer o mal sem cura.

Mas trazia um demônio na memória
que vivia apregoando a sua história,
reproduzindo a sua desventura.

- X X –

MEU MISTÉRIO

Este sorriso alegre que me enflora
o lábio a contar que sou feliz
é como o riso falso de uma atriz,
dissimulando o tédio que a devora.

E a frase zombeteira que me ouvis
deitar sorrindo pela boca a fora
é o fingimento de quem sofre, embora
não se revele no que o lábio diz.

E, num contraste acerbo, enquanto o rosto
tenta ocultar as sombras do desgosto,
este destrói-lhe a primitiva cor . . .

Este sorriso alegre que aparento
é a ironia falaz do sofrimento,
é contratura histérica da Dor.

domingo, 27 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Em “Beijos” e “Eurico” o poeta extravasa o seu lirismo. “Eurico” dedica à cunhada Hermengarda. Pelagio, referido em “Eurico”, é o guerreiro visigodo que depois da batalha de Guadalete (711) refugiou-se com um punhado de companheiros nas montanhas da Cantabria (região da Espanha Tarraconense, rebelde ao jugo romano até aos tempos de Augusto). Em 1718 desbaratou os Moiros em Covadonga, iniciando a guerra de Reconquista. Fundou o reino das Asturias. Pelagio é uma das grandes figuras da história da Espanha ( séc. VII e VIII).

JGL


BEIJOS

Eu vejo sempre o céu fitando a Terra,
vejo a Terra também fitando o Céu,
mas não desvendo o misterioso véu
que esse amor infeliz, há tanto, encerra.


Tenho mesmo a ilusão de que esse incréu
disputa a amada à sorte em plena guerra
E vejo por trás daquela serra
O beijo que eles dão como um troféu.


E vendo no horizonte aquele beijo
de corpos tão distantes também vejo,
no horizonte visual das ilusões,


Lábios humanos sempre se encontrando
em beijos longos muitas vezes quando
bem longe um do outro estão os corações.


- ### -


EURICO


É grande a confusão no campo visigodo,
as hostes de Pelagio em face do perigo,
voltam para impedir o avanço do inimigo,
no afã de combatê-lo e rechassá-lo todo.


E o homem que combateu com singular denodo
Fica ali, desta vez, das lutas ao abrigo,
guardando uma mulher formosa, a sós consigo
para evitar-lhe a dor de um derradeiro apodo.


Reconhecendo Eurico a virgem se levanta,
no cavaleiro fita os seus olhos de santa,
buscando-o num amplexo apaixonado e forte.


O cavaleiro audaz recua apavorado
- presbítero infeliz ao voto acorrentado -
foge à sua Hermenengarda e parte para a morte.

sábado, 19 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A leitura do mestre Edward Leão faz-nos concluir que, mesmo que não fosse essa a sua intenção, ali estão muitos fatos de sua vida e de sua maneira de ser. É quase que uma autobiografia. Sem a preocupação de fixação de datas e pormenores outros, características marcantes em um estudo biográfico.
As atribulações do mestre, o seu convívio social, a sua ternura fraterna e familiar, a nostalgia nas recordações de uma meninice e juventude em uma existência desprovida de riquezas de ordem material, estão desenhadas de forma inequívoca na sua obra.
Em “Meu Natal Antigo” o poeta retorna aos dias ditosos da infância “num Natal sempre sereno” imbuído de compreensão à humildade familiar, de uma vida sem ilusão, compensada, quando dormia, por uma carícia suave, muito doce, e um beijo da mãezinha querida.”

JGL


MEU NATAL ANTIGO


Lembro-me ainda dessas noites quentes,
cheias de misticismo e sem luar.
As mãos enlaçadas em correntes
andavam lentamente a passear
e os rapazes em grupos nas esquinas
calavam-se à passagem das meninas.
E estas, por sua vez, agradecidas,
Meio tímidas, meio comovidas,
mandavam-lhes olhares penetrantes,
varando a treva como negros fios,
agudos, longos, úmidos, brilhantes
- lâminas de aço ou dardos luzidios -
dirigidos em cheio aos corações.
- Casas abertas, bem iluminadas,
Lançando à rua a luz dos lampiões,
Ostentavam insônias desusadas,
inocentes orgias familiares
só permitidas numa noite do ano,
em que a alegria dominava os lares,
revigorando a fé no peito humano.

Mais tarde . . . o sino vibra e se ilumina
todo o interior da igreja centenária,
há séculos de pé, sobre a colina,
como uma sentinela solitária . . .

O sino da Matriz bimbalha, alegremente . . .
sobe pela ladeira acima toda gente
em direção à igreja.
A encosta agora alveja
em fileiras de luz,
Tremeluzindo em postes de bambus,
Em que se colocaram lamparinas,
Pequeninas,
excitantes, bruxoleantes,
lembrando um batalhão de esqueletos bizarros
todos trazendo à boca, acesos, seus cigarros.

Lembro-me ainda : Eu era pequenino.
Finalizada a missa na Matriz,
cada fiel seguia o seu destino,
voltando à própria casa mais feliz.
E no semblante alegre das crianças
Perpassavam risonhas esperanças:
Na madrugada alegre que chegava,
Papai Noel de certo transportava
Brinquedos, guloseimas aos milhares
para os sapatos todos dos seus lares . . .

O meu Natal foi sempre mais sereno.
Eu sempre compreendi, desde pequeno,
a humildade de nossa condição.
Por isso nunca tive uma ilusão
nessa noite de sonho e fantasia.
Bastava-me sentir, quando dormia,
( bem mais feliz, talvez, então, eu fosse)
uma carícia suave, muito doce,
um beijo da mãezinha em minha face,
como se um anjo sobre mim roçasse
as penas leves, brancas de sua asa- meigo Papai Noel de nossa casa !

sábado, 12 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A alma do poeta é como quê um mar revolto. As ondas se sobrepõem e furiosamente ocupam todos os espaços ensejando ativa participação de todos os seres vivos no grandioso espetáculo da existência humana no Grande Teatro do Universo. As dúvidas de um Ser Superior se acumulam levando a um infindável número de indagações - profundas muitas, pueris outras -, à busca ansiosa da verdade o mais agradável dos sons, na lição do filosofo grego Pláton, e da libertação total.
Em “Alma Exilada” o Prof. Edward Leão se expressa de forma tal que sentimo-nos como que co-autores do inspirado poema que nos deixou.

JGL


ALMA EXILADA

Por que esse tédio, essa amargura
que envolve a alma da gente ?
- Por que essa dor, essa agonia ingente
que fere e que tortura ?

Por que ter dentro da alma esse deserto
como um vácuo infinito ?
Por que esse caminhar ambíguo, incerto,
trôpego, de precito ?

Ó que enfadonho e mórbido cansaço
e que fadiga atroz !
Vendo o destino a se esfumar no espaço
sempre a correr de nós !

E as multidões passando sobre a Terra
- Tropel de nuvens no ar -
tudo que a natureza eterna encera
a gemer e a cantar.

A vida aos turbilhões palpita e estua
fora da minha vida.
E eu a pensar que a Terra é morta e nua
e eu não tenho guarida.

Ouço o rumor de muitas vozes, longe,
num círculo distante . . .
mas vivo enclausurado como um monge
tímido e hesitante.

A humanidade move-se apressada
num redemoinho louco.
Mas, longe . . . e a minha vista está cansada
e alcança muito pouco.

Sinto-me só, desprotegido e inerme,
ante o tédio invasor.
Sinto o hálito do mundo na epiderme
e esse frio interior !

Minha alma é pobre pássaro perdido
- Ave de arribação –
que voa sob um céu desconhecido,
sozinho na amplidão . . .

sábado, 5 de abril de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

A melancolia, a nostalgia são fermentos que fazem crescer e extravasar a sensibilidade do poeta.
Em “Pau de Sebo”, o Prof. Edward Leão, lembra um tempo de sonhos “de uma alegria simples, leve e pura”.

JGL



PAU DE SEBO

Era noite de festa em minha terra.
(Quanta saudade esta lembrança encerra !)
regurgitava alegre a velha praça
risonha e iluminada. A populaça
tinha risos no olhar e no semblante,
ostentando um prazer contagiante,
uma alegria simples, leve e pura
como uma onda suave de ternura
que passasse envolvendo os corações.

As crianças em alegres explosões
de entusiasmo infantil tomavam parte
Naquela festa em que faltava a arte
mas sobrava a alegria. Naquela idade,
pondo no movimento a agilidade
e a força elástica do corpo, era
como se fossem sóis de primavera
ou andorinhas loucas a brincar
na placidez balsâmica do ar.
As atenções eram voltadas, creio,
para um mimoso, esplêndido torneio
de destreza infantil. Saltos, corridas,
estranhas e magníficas partidas
em que se disputava a primazia,
numa renhida e cálida porfia . . .

De repente, porém, a multidão
volta a sua volúvel atenção
para uma vertical, esguia estaca,
que no centro da praça se destaca,
tendo na ponta um prêmio sedutor
a tremular dos ventos ao sabor.
É o pau de sebo: dizem. E, de fato,
aquele poste até agora intacto,
com o aspecto viscoso e reluzente
de monstruosa, elástica serpente,
tem a polida superfície untada.


Começa agora a íngreme escalada.
Vários meninos ágeis, adestrados,
Ao poste liso, unidos, abraçados,
tentam subir à ponta inacessível,
ganhar o prêmio, próximo, visível,
que, como um lenço baloiçando ao vento,
parece dar-lhes ânimo e alento.

Quanto tempo perdido em tentativas !
Quanta vez, sob aclamações festivas,
algum deles chegou perto do fim,
sentiu ao seu alcance o galarim
porque lutava . . . Era o mais forte,
mais ágil, mais veloz ou de mais sorte :
Todos diziam, mas eis que desliza,
volta ao solo e, de novo, pisa.
Outro sobe na frente, glorioso.
Esse será talvez vitorioso . . .
Mas, o mesmo destino já o espera.
E o prêmio será sempre uma quimera,
encantadora, esplêndida, doirada,
ao ambicioso olhar da petizada . . .

Nós vivemos brincando de crianças
No pau de sebo - poste de esperanças
com a felicidade lá na ponta -
e tentamos subir vezes sem conta ,
doidos buscando essa ilusão falaz,mas deslizamos sempre para traz . . .

sábado, 29 de março de 2008

A Rosa e a Estrela

Comentário

“A Rosa e a Estrela” o Prof. Edward Leão dedicou à esposa, uma mulher de acrisoladas virtudes; uma boa companheira e mãe extremada.
O poeta, como já vimos em outra oportunidade, teve a influência da Escola Parnasiana. Evidenciaram-se como cultores do parnasianismo no Brasil: Olavo Bilac, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Francisco Júlio e outros renomados poetas. Como uma de suas características os poetas brasileiros não conseguiram, como os portugueses, aquele indiferentismo, aquela impassividade diante da emoção, preconizada pela escola. Preocuparam-se com a forma, as rimas, a versificação, ficando românticos, sentimentalistas no assunto.
No poema deparamos uma palavra incomum: Ancenúbio, considerado um neologismo desnecessário, engendrado por Castro Lopes ( médico e literato brasileiro, grande latinista) para substituir o francesismo nuance. Não ganhou vulgaridade.

JGL

A ROSA E A ESTRELA


No nobre e velho parque abandonado,
entre ruínas de heráldico passado,
uma rosa vermelha,
fúlgida se assemelha
à rainha orgulhosa,
esplêndida, formosa,
a dominar à força de beleza
a estesia imortal da Natureza.

Em meio de raquíticos vassalos,
magnifica e sublime a domina-los,
primeira entre os primeiros
tesouros dos canteiros,
soberana se ostenta
e às vezes aparenta
Lábios sangüíneos que o desdém descerra
ante a inveja floral de toda a Terra.

No vasto firmamento alto e profundo
- clâmide azul aberta sobre o mundo –
uma estrela fulgura
- claro riso da altura,
alacre e cristalino -
como um farol divino
ou um cálice de bênçãos luminosas
a gotejar no cálice das rosas.

Ela empana o fulgor das companheiras,
pois, é também primeira entre as primeiras
no lúcido cenário,
seu brilho extraordinário
Que trêmulo palpita
é uma asa que se agita
pulverizando pelo espaço em fora
claridades balsâmicas de aurora.

Olhando a estrela a rosa se entristece
e diz-lhe baixo como numa prece:
- Formosa estrela, o teu fulgor radiante
põe ancenubios de oiro e de diamante
na minha tez de seda e de veludo.
Mas, sinto que invade um tédio mudo,
um desejo esquisito de brilhar,
de Ter cintilações, de fulgurar
e de resplandecer como uma gema,
ser dos jardins um lúcido diadema.
O’ - falena de luz - desce no espaço,
vem poisar no meu cálido regaço!
Serás o espírito - a alma de uma flor,
serei a carne - o corpo de um fulgor.

Por muito tempo a estrela estremeceu
e, por fim tristemente, respondeu:
- O’ flor, eu vi num rápido momento
como é universal o sofrimento,
quantas vezes eu quis descer à Terra,
pesquisar o mistério que se encerra
na corola das flores olorosas,
ter vida e Ter perfume como as rosas,
ter os beijos do sol, quente e fecundo
e andar de colo em colo pelo mundo.
Mas, ai, querida irmã, como é infinita
A Dor universal. Em mim palpita
uma ânsia igual a que te faz sofrer,
sou alma e nunca poderei descer -
E’s corpo e nunca poderás subir.

O astro parou instantes de luzir,
depois voltou e pálido, apagado,
como um rosto depois, de ter chorado,
olhou e viu em pétalas no chão
desfeita a linda flor. A estrela, então,
sentindo ainda maior a sua dor,
exclama, em voz tremente, para a flor:
- Bem mais feliz tu foste, ó rosa amiga,
o meu destino exige que eu prossiga
na rota do infinito. O corpo morre . . .
e tu morreste. O espírito percorre
todas as direções da Eternidade.
Só me resta de ti grande saudade,
pobre amiga gentil. Eu fico ainda.
A minha sorte é triste e eterna, infinda:
Serei por sempre lúcida, imortal,
como o fantasma da Ânsia Universal.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


O poema “Alma Errante” deu nome a um dos livros do Prof. Edward Leão, impresso com muito gosto em agosto de 1932 pela Typographia Americana, do saudoso Nicolau Simas. Uma curiosidade: A Typographia Americana é certamente a mais antiga empresa em funcionamento em Raul Soares. Fundada em 1925, ainda hoje presta relevantes serviços á região, sob a direção de Evaldo Simas, que sucedeu ao pai. Agora, evidentemente, mais moderna e sob a denominação de Artes Gráficas Americana.
Em “Alma Errante” deparamos dois momentos: “Horas de amor e de melancolia”: - uma generalização; e “eu vejo tudo e sinto a imensidade” : - uma individualização.
Forte influência da Escola Parnasiana e da Escola Simbolista estão presentes. Transcende cultura em “subir no carro esplêndido de Apolo”, o deus grego e romano dos oráculos, da medicina, da poesia e das artes, dos rebanhos, do dia e do sol, também chamado Phebo, e em “qual novo Ahasverus arrastando o fado”. Ahasverus, também chamado Ahasvero, personagem lendária, mais conhecida pelo cognome de Judeu Errante.
A psicologia contida na obra machadiana; as indagações e dúvidas sobre o íntimo das coisas e das pessoas, impregnam em muitos momentos a obra do mestre Edward Leão, a grande expressão cultural de Raul Soares.

JGL


ALMA ERRANTE


Curvas longínquas . . . montes altaneiros
- Rodovias do Sonho e da Ilusão -
Abismos negros . . . báratros traiçoeiros
em que se engolfa incauto o coração.
Soberbos alcantis . . . despenhadeiros
Fortes, cheios de ameaça e de atração,
Espaço imenso . . . trilhos condoreiros
- Caminho aéreo da imaginação -

Ninhos de águia na excelsa majestade
dos mais augustos sólios da realeza
Vzinhos naturais da tempestade
Altos arranha - céus da Natureza.
Vozes de aves, que em doce alacridade
gorjeiam carmes lindos na devesa . . .
Pios tristonhos . . . nenias de saudade
na música dolente da tristeza . . .

Serpentes líquidas, répteis coleantes
- Artérias d’água abertas sobre a terra
mares e oceanos, quérulos gigantes,
plangendo a magoa que seu bojo encerra.
Pepitas de ouro . . . minas de diamantes
- Astros que a picareta desenterra -
rubis sangüíneos . . . gotas borbulhantes
das veias inorgânicas da terra.

Edênicas miragens policromas
formam quadros de efeitos deslumbrantes,
miscelânea de cores e de aromas
Num cenário de múltiplos cambiantes.
Trancos enormes, majestosas comas,
ao sabor de galernos sussurrantes . . .
feras ligeiras, sacudindo as pomas
chamam os filhos prófugos, distantes.

Esplendidas manhãs . . . deslumbramentos
de cor na luz mirífica do dia . . .
Penumbras vesperais . . . . recolhimentos . . .
Horas de amor e de melancolia.

Eu vejo tudo e sinto a imensidade
Desse infinito que me envolve a Vida
- Teia de fios forte da Verdade
pelas mãos da quimera entretecida -
e sinto em mim indômita vontade
de subir, voar, levando de vencida
a força etérea, a lei da gravidade
e toda a ciência velha, encanecida.


Oh ! Quem me dera erguer deste solo,
desta galé fatal que me agrilhoa,
subir no carro esplendido de Apolo,
e pelo mundo jornadear à-toa.
E tenho a sensação de que me evolo
numa quimera eternamente boa,
alado a transitar de polo a polo
na delícia suprema de quem voa.


Fora do mundo real a que pertenço,
desagregado da matéria ingrata,
eu sinto o meu espírito suspenso,
ruflando as asas rútilas de prata.
Ascendo às grimpas desse espaço imenso,
Onde minh’alma louca se arrebata
e abrange o mundo num olhar intenso
nesse delírio de nefelibata.


Minh’alma é inquieta, nômada, erradia,
qual novo Ahasverus arrastando o fado,
vai á mercê de doida fantasia
correndo atrás de um sonho irrealizado.
- Alma errante, sedenta de harmonia,
busca no espaço um páramo encantado
- Região de luz, de lenda ou de magia
onde poisar teu sonho incontentado !


Marcha, minh’alma, cumpre o teu destino :
Galga e supera os cumes de granito !
Singra o azul como um facho peregrino
- Asa de luz brilhando no Infinito -

quinta-feira, 20 de março de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

No poema “Felicidade” o mestre filosofa, analisa e perscruta o íntimo da alma humana. Conclui que a felicidade “não promana de externas influências. Nem se nutre de vãs reminiscências. Vive conosco, ignota, ocultamente, incógnita, latente, como um bacilo dentro do organismo. Ri do nosso ceticismo”. Presente está no equilíbrio da faculdade humana. É individual. Nem sempre o prazer de alguém se encontra onde o prazer alheio se manifesta. E dominado por estranho império o homem pode ser levado ao choro num salão de festa e tem vontade de rir num cemitério.
Convido os leitores a penetrar no mundo mágico do pensamento do mestre Edward Leão.

JGL


FELICIDADE

Num êxtase, minh’alma se liberta
do corpo que a detém. Caminha incerta
e vacilante pela treva densa.
Sente-se só dentro da noite imensa.
Ouve vozes confusas. Vê lampejos
esquisitos que fulgem como beijos
de gênios invisíveis. As estrelas,
já perdendo o fulgor, quase amarelas
- Topázios engastados em turquesa -
Lançam clarões dormentes de tristeza
no torpor cataléptico do mundo.
Num grande sonho mórbido, profundo,
a Natureza dorme. Minh’alma forte,
ante esse quadro apático de morte,
exulta e vibra de alegria franca.
É como a asa de uma pomba branca,
sozinha a palpitar na escuridão.
Na paz nirvânica da solidão,
dentro da sombra e dentro do mistério,
recorda Hamlet em pleno cemitério,
louco, a filosofar entre caveiras,
analisando as vidas passageiras
consumidas ali. Assim minh’alma,
perambulando a sós na noite calma
nos intermúndios do Desconhecido,
segue um desejo louco indefinido,
de buscar através das negras sombras,
como se busca um fruto nas alfombras,
em vez dos ossos lívidos de um crânio
que se arrancam de um fosso subterrâneo,
a forma viva, nítida, real,
dessa incógnita eterna, universal,
miragem de mil modos concebida,
razão de ser, estímulo da vida,
que a gente pensa sempre ter deixado
numa curva longínqua do Passado,
mas que se espera ver a cada instante,
como a sombra que vemos sempre adiante,
inatingível, lépida, ligeira,
fugindo na vertigem da carreira -
ou a falena de oiro refulgente
atrás da qual corre eternamente
sem nunca se alcançar . . . Felicidade !
- Visão antiga envolta na saudade,
incorpórea, invisível, abstrata,
sem forma certa e sem figura exata -
ou borboleta esquiva, fugidia
- bizarra concepção da fantasia -
voejando de ilusão em ilusão
no espaço imenso da imaginação.
O desvario do êxtase domino
eis que lentamente raciocino
e verifico que a Felicidade
não é uma conquista da Vontade,
mas é fenômeno intimo, inconsciente,
que não se pode achar no meio ambiente
nem se produz no mundo exterior,
mesmo no encanto magico do amor
ou no apogeu mirífico da glória
ela é sempre falaz e transitória.
Promana de externas influências
nem se nutre de vãs reminiscências.
Vive conosco, ignota, ocultamente,
dentro de nós, incógnita, latente,
como um bacilo dentro do organismo.
Ela se ri do nosso ceticismo.
Como no oceano a pérola se esconde,
ela se oculta não sabemos onde
dentro do nosso ser. No entanto, inquieta,
pobre hermeneuta, humílima exegeta,
a nossa conturbada inteligência
quer decifrar o enigma da existência,
mas vai sem bússola 1a mercê da sorte,
indo esbarrar, exânime, na morte.
O homem assiste ás lutas sucessivas
de suas próprias forças subjetivas
e não pode intervir. Quer ser feliz.
Cria e refina os gozos mais sutis,
engolfa o espírito na ciência e na arte,
busca a Felicidade em toda a parte.
Ai ! deixasse ele de indagar a esmo
e procurasse-a dentro de si mesmo !
Pois a Felicidade é em nós que existe
e sei que ela simplesmente consiste
no equilíbrio de nossas faculdades,
na harmonia e na paz das entidades
várias e múltiplas de nosso ser,
nem sempre achamos íntimo prazer
onde o alheio prazer se manifesta.
Pois o homem chora num salão de festa
E, dominado por estranho império,
tem vontade de rir num cemitério.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Em “Heróis e Precursores” o Prof. Edward Leão adotou o pseudônimo “Erasmo Lírio”. Lirismo, poesia e solidariedade humana, encontram-se no bem urdido texto do incomparável mestre.

JGL


HERÓIS E PRECURSORES

O avião prateado passou como torpedo aéreo, ressonando forte no seu leito de nuvens.
Sonâmbulo dos ares, autômato das alturas, parecia não ter destino certo. Era como um mundo fechado, em movimento. Nas suas entranhas palpitavam vidas inseguras, trêmulas, no espasmo da aventura. O planeta artificial , no equilíbrio mecânico do seu organismo metálico, voava indiferente às emoções dos passageiros. Astro motorizado, dirigido pela técnica de um piloto terrestre, a aeronave era bem um símbolo do panorama cósmico do século: o pigmeu inteligente cavalgando os elementos misteriosos da natureza, fustigando-os com o chicote do seu poder científico. No esfulizar meteórico daquela máquina, dois extremos conjugados no âmbito exíguo de uma cabine expõem a síntese da vida de uma época. Ali dentro se cruzam o poder supremo e a impotência absoluta; o animal empunhando o facho da razão - o homo sapiens - forte como o rei, na soberania imensurável do universo, ostentando a coroa dos mundos, com a arrogância suprema de um caudilho dos espaços, e trêmulo de medo, mesquinho e insignificante na covardia dos nervos em permanente vibração, à mercê das circunstâncias, frágil boneco de carne nas mãos do imprevisto, à espera dos próximos minutos e do seu cortejo misterioso de surpresas incontroláveis. Maravilha do século, milagre do gênio humano, prodígio da técnica e da mecânica, vendo-o assim, no vôo rotineiro por rotas aéreas invisíveis e abstratas, convencionalmente traçadas a lápis ou a nanquim num retalho de papel quadriculado, evoco a figura esquisita daquele Alberto Santos Dumont, com o seu chapéu desabado e o seu colarinho alto de duas peças, pilotando a sua Demoiselle em plena Cidade-Luz, elevando acima da Torre Eiffel o nome modesto da sua pátria, que não quis ou não pôde auxiliá-lo. E, seguindo-o, respeitosos e patrioticamente inflamados de júbilo os seus frustrados precursores, Augusto Severo e Padre Bartolomeu de Gusmão, formando um triângulo de asas de ouro nas alturas, dentro do qual resplandece como um sol de glória, o nome do Brasil.
Como uma estrela candente, fugitiva e rápida, o avião desaparece nas nuvens longínquas. Esvaem-se no espaço as imagens que se formaram em minha comovida evocação. Ouço ainda o ruído dos motores, como uma prolongada mensagem de progresso que acaba de passar.
À distância, a silhueta argentina do veículo aéreo se assemelha agora, cintilando aos beijos do sol, a um peixinho de prata, nadando nas águas cinzentas de um oceano de éter.
Além, num aeroporto qualquer, corações humanos palpitam à sua espera. Dentro dele pela radiotelegrafia das emoções, outros corações recebem afetuosos votos de boas-vindas, na linguagem silenciosa com que almas se comunicam.
E eu, sem saber porque, talvez tocado pela centelha divina do amor ao próximo, volto os olhos para as profundezas do firmamento e formulo uma prece muda ao supremo Senhor de todos os destinos, pela felicidade e segurança daquela gente que passou nos ares - meus muito amados irmãos desconhecidos.

domingo, 9 de março de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário

Sob o pseudônimo de Fígaro, o Prof. Edward Leão relata na coluna jornalística “Fio de Navalha”, com muita graça e sutileza, as atribulações de Bonifácio, “Um Chefe de Família”, e a sua tempestuosa e enérgica mulher D. Genoveva e uma filha fogosa e evoluída - Angélica. Se fictícias ou verdadeiras as personagens não tenho condições de lhes dizer. O que se pode afirmar é que, nos dias de hoje, ainda maiores são os problemas dos bonifácios.

JGL

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Bonifácio estava, naquele dia, por conta de “si próprio”. A atmosfera doméstica estava carregadíssima. Nuvens negras e ameaçadoras sombreavam a fronte de D. Genoveva, prenunciando tempestades. E ele, o coitado do Bonifácio, sabia como eram aquelas tempestades. Ao contrário do que acontecia nas casas alheias, quando torrentes de palavras inundavam o silêncio dos lares nas horas de borrasca, limpando o ambiente e desanuviando os céus, alí, no pacatíssima recanto onde residia o Bonifácio , não havia palavras, nem gritos, nem explosões. Era o silêncio, o silêncio pesado e profundo dos cemitérios à noite; o silêncio enervante e terrível das catacumbas fechadas. D. Genoveva era assim. Esmagava o Bonifácio com o seu silêncio, com a impassibilidade de um mutismo completo e absoluto.
Naquele dia, o Bonifácio, sempre afoito e irrefletido, dissera incautamente umas palavras perigosas: balbuciara a medo um esboço de opinião sobre um assunto em que só ela devia pontificar: o namoro da filha, a Angélica, cujos modos nem sempre condiziam com prenome que usava. Ele tivera o atrevimento de voltar os olhos, quando passava, para o vão da porta, onde ela e o Inocêncio conversavam. Vira-os aconchegados, tão juntinhos, que pareciam xipófagos. Estremecera. Aquilo não estava direito. Era preciso avisar a Genoveva, abrir-lhe os olhos diante do perigo, mostrar-lhe os riscos daquela liberdade demasiada que abria caminho escorregadio às débeis e titubiantes virtudes da filha. D. Genoveva franziu os supercílios e enrugou a testa luzidia. Bonifácio tremeu dos pés à cabeça. Virou um feixe de varas verdes. Por que fizera aquilo? Ele mesmo reconheceu imediatamente a gravidade da afronta que fizera à esposa. E saiu como um cão medroso ante o olhar repreensivo do dono. D. Genoveva não o perdoaria jamais. Consignaria para sempre no débito de sua conta - corrente aquele lance de audácia heróica, que ela interpretava como o maior, como o mais insuportável dos desaforos. E ele leu, então, trêmulo e emocionado, nas rugas expressivas, que se destacavam na fronte da mulher, como sinais hieroglíficos, as seguintes palavras de justa censura: “A Angélica é uma moça moderna; não pode namorar à moda antiga, como uma caipirinha qualquer. Você não tem o direito de espioná-la”. O pobre do Bonifácio acabou de sair. Na rua, sentiu uma reação, um assomo de revolta. Teve vontade ir ao bar, de beber muito. E foi, mas não bebeu, porque teve medo de que D. Genoveva lhe lançasse aquele olhar forte como chama de maçarico que, um dia, era capaz de cremá-lo vivo para que ela, depois, lhe varresse as cinzas para o caixote do lixo.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


Nos anos 50 o Prof. Edward Leão escrevia a coluna “Fio de Navalha”, sob o pseudônimo de Fígaro, dando-lhe o subtítulo de “Coisas de Ontem”. Com a sua notória e habitual capacidade e competência de narrador relata no texto a seguir transcrito as vicissitudes do povo num momento conturbado da história política brasileira.

JGL

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Finda a revolução de Outubro, empossada a Junta Revolucionária e, em seguida, o Governo Provisório, o país foi entrando nos eixos.
Nos municípios, a governança comunal caberia a prefeitos nomeados pelos Interventores. Espalharam-se papeluchos que valiam como dinheiro. Eram uns retângulos de cartolina semelhantes a bilhetes de rifa. O povo denominou-os burrosquês e alguns explicavam a sua etimologia curiosa: “burros os que aceitam”.
Dois anos se passaram sob o novo regime. Ditadura suave, tolerante, quase democrática. Em muitos municípios, surgiram prefeitos rotulados de técnicos. Eram engenheiros do Estado, encarregados da administração de comunas, sob as vistas de um departamento especializado criado pelo Governo Estadual. Poderes centralizados; orientação discricionária. Algum progresso promovido pelos administradores - funcionários, que eram removíveis e demissíveis ad - nutum.
9 de julho de 1932. Revolução em São Paulo. O grande Estado líder tomara dianteira na luta pela constitucionalização do país. Fê-lo pelas armas, numa arremetida heróica, pontilhada de lances de assombrosa bravura.
O Governo Central estava forte, porém, e convocou recursos humanos de todos os outros Estados da Federação para jugular o movimento. Minas se colocou à frente da reação e mandou os seus soldados para o Túnel. Os municípios desguarnecidos criaram uma espécie de guarda municipal (milícia), arrebanhando elementos no seio do povo. Deu-lhes armas e privilégios. Os milicianos, na sua maioria, usavam e abusavam desses privilégios, provocando mesmo, em algumas cidades, sérios conflitos de conseqüências mais ou menos graves. Na cidadezinha em que morávamos, porém, um impacto feriu o silêncio e a monotonia da vida citadina:- um ônibus, cheio de soldados, entrara na cidade, e um sussurro fez estremecer os simpatizantes da causa paulista. O autor destas linhas, que também ouvia às escondidas o único rádio existente na terra, devia estar no índex. O melhor expediente era fechar hermeticamente as portas e as janelas de nossa casa. “Quem não é visto, não é lembrado”, diz o antigo rifão.

domingo, 2 de março de 2008

Tributo á memória do mestre Edward Leão

Comentário


Sob o pseudônimo de Fígaro o Prof. Edward Leão, na festejada coluna “Fio de Navalha” - “Coisas de Ontem”, publicada no jornal “O Imparcial”, exercita a sua condição de historiador relatando episódios revolucionários dos anos 30.

JGL

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O veículo fantasma percorreu as ruas da cidade, recolhendo pseudo – criminosos. Todo aquele que, por princípio, por simpatia e coerência, se inclinava para a causa dos paulistas era considerado um delinqüente e devia ser punido. Muitos cidadãos, velhos e moços, experimentaram a amargura da humilhação.
Naquele dia fatídico, devia realizar-se uma festa com fins beneficentes no salão do prédio recém - construído do Hospital São Sebastião. Severino Buetemuller, moço cheio de entusiasmo, inteligente e dinâmico, preparara tudo para que a festa fosse brilhante. Aquele engenheiro nordestino, que chefiava o 1º Distrito de Terras do Estado, desdobrava-se numa faina impressionante, numa operosidade singular, numa capacidade de organização “mais única do que rara”, quando tomava a frente de qualquer iniciativa.
Todavia, daquela vez, vimo-lo descoroçoado e triste, prenunciando o fracasso da grande festa e lamentando sinceramente os acontecimentos do dia, embora fosse ela, pessoalmente e sem rebuços, um apaixonado pela causa da ditadura. Era um grande coração que cessou de bater, precocemente, há alguns anos, quando chefiava as obras gigantescas da construção do Porto de Imbutiba, no Sul do Brasil.

- x –

1º de janeiro de 1933. Um telefonema da cidade vizinha que nos fornecia energia elétrica transmitiu-nos a estarrecedora novidade: estávamos às escuras, definitivamente às escuras, irremediavelmente às escuras. Não seria fornecido nem mais um único quilowatt. Só se viam nas ruas pessoas apressadas, carregando lamparinas, lampiões, garrafas de azeite e caixas de grizetas. Mobilizavam-se os habitantes da cidade contra a ofensiva em massa do inimigo que, de há muito, fazia incursões de reconhecimento e realizava pequenas escaramuças em nossos acampamentos : as trevas.
Verdadeiros exércitos de sombras iriam ocupar as ruas e praças daquela cidade, transformada, de um momento para outro, em cabeça de ponte, em cidadela estratégica para os tenebrosos invasores.
Mas, como compensação, na hediondez daquele período negro, descia, de vez em quando a asa branca do luar, alvejando a paisagem e pulverizando poesia na alma dos moços, gotejando saudade no coração dos velhos.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Tributo á memória do Mestre Edward Leão

Homenagens



Edward Leão teve uma vida curta. Nasceu em 1898 e faleceu em 1956. Personalidade fascinante, causeur admirável, orador brilhante, conferencista dos mais cultos, historiador, professor emérito, jornalista, músico; um intelectual completo. Como costuma acontecer com tantos valores no País a sua vasta obra se perdeu nas publicações na imprensa interiorana, de Minas e de outros estados.
Divulgou alguns de seus versos nos livros “Alma Errante”, editado em 1932, e “Tapera Ensolarada”, em 1955, este pouco tempo antes de seu falecimento.
Na coluna “Poetas Mineiros”, na “Folha de Minas”, de Belo Horizonte, “Tapera Ensolarada” mereceu do crítico responsável os seguintes comentários: “EDWARD LEÃO - Nasceu em 26 de abril de 1898, em Tocantins, Minas Gerais. Desde a adolescência manifestou pendores literários, que vieram a se concretizar aos vinte anos, com a publicação da plaquete de versos “Alma Errante”, dedicado a Mário Mendes Campos, conterrâneo e amigo inseparável do poeta. Autodidata, dedicou-se ao magistério, e, depois de lecionar em cursos particulares, dirigiu e ministrou aulas, até sua morte, no Ginásio São Sebastião, de Raul Soares. Sua produção literária encontra-se esparsa em publicações da Zona da Mata, onde se fez famoso como orador primoroso. Faleceu em Belo Horizonte, onde foi sepultado, em 9 de agosto de 1956. Nos últimos tempos de vida, surgiu com a plaquete intitulada “Tapera Ensolarada”.
O poeta Gonçalves da Costa, grande amigo e admirador de Edward Leão, certa vez afirmou que a obra dele “há de ficar na nossa lembrança e constituirá um dos maiores acervos da cultura e sensibilidade desta terra. Dotado de cultura geral, tinha uma expressão fácil, copiosa e envolvente. Se entrávamos às apalpadelas num assunto qualquer, ele, notando logo tal situação, modestamente, e com habilidade, se esgueirava até atingir o assunto, dominava-o, dissecava-o até ao âmago.”
Dilermando Rocha, o mais festejado poeta e escritor raul – soarense dos tempos modernos, não se esqueceu do velho mestre escrevendo no seu livro “Irmão Preto”, 2ª edição, João Scortecci Editora, 1995, página 61:

ÁRABE ERRANTE

A Edward Leão

Por essa vida, um áspero deserto,
passam as caravanas de ilusões;
vão avançando, sem destino certo,
buscando oásis dentro de visões.
Tantas vezes me dão um clima aberto
com outra vida, sem as privações,
mas lá eu sofro, pois me sinto incerto
entre falsos amigos e traições.
Sempre quis ser - somente - árabe errante
no meu chão agreste e fiel amante
do simum, do siroco e nas paisagens
deixe-me seguir: quero tanto o pouco
de poesia que há em tudo. (Louco?)
Nunca tente, jamais, matar miragens.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Prof. Edward Leão

NOTAS BIOGRÁFICAS


NASCEU EM 26 DE ABRIL DE 1898 EM TOCANTINS (MG).
FOI CASADO COM D. MARIA DE AQUINO LEÃO Leão, MULHER DE ACRISOLADAS VIRTUDES.
TEVE DOIS FILHOS, AMBOS JÁ FALECIDOS : DR. HUGO DE AQUINO LEÃO, CAUSÍDICO BRILHANTE, GRANDE TRIBUNO, EDUCADOR, ESPORTISTA, POLÍTICO E JORNALISTA COMPETENTE, E JOSÉ D’AQUINO LEÃO, O NOSSO SAUDOSO MORENO LEÃO, SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA, ESPORTISTA, TORCEDOR APAIXONADO DO CLUBE ATLÉTICO MINEIRO E DA ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA RAUL-SOARENSE, A GLORIOSA ÁGUIA DOS EUCALÍPTOS, POETA DE RARA INSPIRAÇÃO, PIANISTA, JORNALISTA.
O PROFESSOR EDWARD LEÃO CHEGOU A RAUL SOARES NA DÉCADA DE 20.
FOI A EXPRESSÃO MAIOR DA INTELECTUALIDADE E DA CULTURA DE NOSSA TERRA.
PROFUNDO CONHECEDOR DA LINGUA PÁTRIA FOI EM MINAS GERAIS UM DOS LUMINARES NO ENSINO DA LÍNGUA E LITERATURA PORTUGUESA.
LECIONOU, TAMBÉM, A LINGUA FRANCESA, IDIOMA QUE DOMINOU COM MUITA MAESTRIA TENDO O PRIVILÉGIO DE CONHECER NO ORIGINAL AUTORES COMO FLAUBERT, DUMAS, ZOLA, DAUDET, VICTOR HUGO E OUTROS GRANDES AUTORES QUE ENRIQUECERAM A LITERATURA UNIVERSAL COM IMORREDOURAS OBRAS.
A EXTENSÃO DE SEUS CONHECIMENTOS FIZERAM QUE LECIONASSE TAMBÉM OUTRAS MATÉRIAS : HISTÓRIA, GEOGRAFIA, BIOLOGIA . . .
FOI PROFESSOR, INICIALMENTE, EM CURSOS PARTICULARES. ATINGIU O CLIMAX DO MAGISTÉRIO NO GINÁSIO SÃO SEBASTIÃO, POSTERIORMENTE TRANSFORMADO EM INSTITUTO SÃO SEBASTIÃO, CASA DE ENSINO FUNDADA PELO PROFESSOR ALBERTO ÁLVARO PACHECO, DA CIDADE DE VIÇOSA, QUE FUNCIONOU POR MAIS DE UMA DÉCADA NO PRÉDIO ONDE HOJE ESTÁ A USINA DA COOPERATIVA AGROPECUÁRIA DE RAUL SOARES, NA RUA BOM JESUS.
O COMPLEXO DE ENSINO “INSTITUTO SÃO SEBASTIÃO” COMPREENDIA : GINÁSIO, ESCOLA NORMAL JANUA COELE E ESCOLA TÉCNICA DE COMÉRCIO VINTE DE JANEIRO.
O RENOMADO MESTRE FOI TAMBÉM COMPOSITOR E POETA INSPIRADO.
COMPÔS OS HINOS DO GINÁSIO SÃO SEBASTIÃO E DA ESCOLA NORMAL JUANA COELE.
A SUA OBRA POÉTICA BASTANTE VASTA TINHA A INFLUÊNCIA DAS ESCOLAS PARNASIANA E SIMBÓLICA, NAS QUAIS PONTIFICARAM BILAC, CRIUZ E SOUZA, ALPHONSUS DE GUIMARAENS, O MÍSTICO DE MARIANA.
AUTORIZADO DEPOIMENTO DO TAMBÉM GRANDE POETA GONÇALVES DA COSTA NOS DIZ QUE EDWARD LEÃO ERA “DOTADO DE CULTURA GERAL INVEJÁVEL, TINHA UMA EXPRESSÃO FÁCIL, COPIOSA E ENVOLVENTE. SE ENTRÁVAMOS ÀS APALPADELAS NUM ASSUNTO QUALQUER ELE NOTANDO LOGO TAL SITUAÇÃO, MODESTAMENTE, E COM HABILIDADE, SE ESGUEIRAVA ATÉ ATINGIR O ASSUNTO, DOMINANDO-O, DISSECANDO-O ATÉ O ÂMAGO.”
SUA PRODUÇÃO LITERÁRIA ENCONTRA-SE ESPARSA EM TODAS AS PUBLICAÇÕES DA ZONA DA MATA, PRINCIPALMENTE NOS JORNAIS“RAUL SOARES”,“A TRIBUNA “, O IMPARCIAL”, E NO “JORNAL DO POVO”, O GRANDE JORNAL DE PONTE NOVA DO INESQUECÍVEL ANÍBAL LOPES.
PUBLICOU OS LIVROS “ALMA ERRANTE”, DEDICADO A MARIO MENDES CAMPOS, CONTERRÂNEO E AMIGO INSEPARÁVEL, E “TAPERA ENSOLARADA”.
FOI EFICIENTE SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA MINEIRA COMO TITULAR DO CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO E DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RAUL SOARES.
“CAUSEUR” ADMIRÁVEL E ORADOR PRIMOROSO, CONFERENCISTA E HISTORIADOR, ENCANTAVA A TODOS PELA PROFUNDIDADE DE SEUS CONCEITOS, RIQUEZA DAS IMAGENS E PUREZA VERNACULAR.
EVENTUALMENTE, FOI POLÍTICO, SUPLENTE DE VEREADOR À CÂMARA MUNICIPAL DE RAUL SOARES.
O SEU FALECIMENTO, OCORRIDO EM 9 DE AGOSTO DE 1956, FOI MUITO SENTIDO NOS CÍRCULOS INTELECTUAIS E CULTURAIS. MINAS GERAIS PERDERA, UMA DAS SUAS FIGURAS MAIS ILUSTRES E FASCINANTES.
UM DOS BELOS SONETOS DO POETA É “ O FICUS “ QUE TRANSCREVEMOS :

“ O FICUS


POBRE ÁRVORE SEM FLORES E SEM FRUTOS,
-MERO ORNAMENTO ESTÉTICO DAS RUAS -
QUE A BEM DA FORMA SANGRA EM DORES CRUAS
DA TESOURA DO ARTISTA AOS GOLPES BRUTOS

NOS MESES DE VERÃO, QUENTES, ENXUTOS,
QUANDO OUTRAS PLANTAS ESTÃO QUASE NUAS,
FAZ GOSTO VER AS RAMARIAS SUAS, FORMANDO VERDES, SÓLIDOS REDUTO. . .

HÁ PESSOAS ASSSIM COMO ESSA PLANTA;
NÃO DÃO FRUTO NEM FLOR ATÉ A MORTE,
MAS TEM CERTO PODER QUE NOS ENCANTA

SOFREM MUTILAÇÕES DE TODA SORTE,
MAS, NUMA RESISTÊNCIA QUASE SANTA REVERDECEM DE NOVO A CADA CORTE .“


PUBLICOU EM JORNAIS ALGUNS TRABALHOS SOB OS PSEUDÔNIMOS ERASMO LÍRIO E FÍGARO, CRÔNICAS DO COTIDIANO E RELATOS HISTÓRICOS DE RAUL SOARES.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Comportamento humano

Filosofia grega

Os filósofos gregos tinham por hábito debater as questões pertinentes à organização das cidades e o comportamento de seu povo, sob todos os aspectos. Presentes no Pireu para orações à deusa (para um ateniense “a deusa” era usualmente Atena ante a referência aos Trácios e a menção expressa da celebração das Bendidéias em 350 levam os estudiosos a identificá-la com Bêndis, deusa tráçia que se confundia com Artemis).
Reunidos Sócrates, Platão e os irmãos mais velhos Glauco e Adimanto, Nicérato, filho de Nícias, político e general ateniense, Polemarco e os irmãos Lísias, famoso orador, autor de célebre discurso, o Contra Erastótenes, e Eutidemo, e, ainda, Trasímaco de Calcedônia e Carmantidas de Paianieu e Clitofonte, filho de Arístonimo. Presente também estava Céfalo, pai de Polemarco. Debateram entre outras as questões da “justiça” e “injustiça”.
Questionamento de Sócrates motivou a Trasímaco dizer: “( ) E és tão profundamente versado em questões de justo e justiça, de injusto e injustiça, que desconheces serem a justiça e o justo um bem alheio, que na realidade consiste na vantagem do mais forte e de quem governa, e que é próprio de quem obedece e serve ter prejuízo; enquanto a injustiça é o contrário, e é quem manda nos verdadeiramente ingênuos e justos; e os súditos fazem o que é vantajoso para o mais forte e, servindo-o, tornam-no feliz a ele, mas de modo algum a si mesmos. E assim, ó meu simplório, basta reparar que o homem justo em toda a parte fica por baixo do injusto. Em primeiro lugar, nos consórcios que fazem uns com os outros, quando uma pessoa de uma destas espécies se associa com uma da outra, jamais se verificará, por ocasião da dissolução da sociedade, que o justo tenha mais do que o injusto, mas sim menos. Depois nas questões civis, onde quer que haja contribuição a pagar, o justo em condições iguais paga uma contribuição maior, e o outro, menos. Quando se tratar de receber, um não lucra nada, e o outro, muito. E, se algum dos dois ocupar um posto de comando, o justo pode contar, ainda que não tenha outro prejuízo, com ficar com os seus bens pessoais em má posição, por incúria, e com não ganhar coisa alguma com os do Estado, por ser justo. Em cima disto ainda, com criar inimizades com parentes e conhecidos, por se recusar a servi-los contra a justiça. Ao passo que o homem injusto pode contar com o inverso de tudo isto. Refiro-me àquele que há pouco mencionei, ao que pode ter grandes ambições de supremacia. Repara, pois, neste homem, se queres julgar quanto mais vantagem tem para um particular ser injusto do que ser justo. Mas a maneira mais fácil de aprenderes é se chegares à mais completa injustiça, aquela que dá o máximo de felicidade ao homem injusto, e a maior das desditas aos que foram vítimas de injustiças, e não querem cometer atos desses. Trata-se da tirania, que arrebata os bens alheios pela fraude e pela violência, quer sejam sagrados ou profanos, particulares ou públicos, e isso não aos poucos, mas de uma só vez. Se alguém for visto a cometer qualquer destas injustiças de per si, é castigado e recebe as maiores injúrias. Efetivamente, a quem comete qualquer destes malefícios isoladamente, chama-se sacrílego, traficante de escravos, gatuno, espoliador, ladrão. Mas se um homem, além de se apropriar dos bens dos cidadãos, faz deles escravos e os tornam seus servos, em vez destes epítetos injuriosos, é qualificado de feliz e bem aventurado, não só pelos seus concidadãos, mas todos os demais que souberem que ele cometeu essa injustiça completa. É que aqueles que criticam a injustiça não a criticam por recearem praticá-la, mas temerem sofrê-la. Assim, Sócrates, a injustiça, quando chega a um certo ponto, é mais potente, mais livre e mais despótica do que a justiça, e, como eu dizia a princípio, a vantagem do mais forte é a justiça, ao passo que a injustiça é qualquer coisa de útil a uma pessoa, e mais vantajosa.”
Os conceitos de Trasímaco não convenceram aos demais pelo que foi impedido de retirar-se sem antes prestar contas das suas palavras.
Sócrates enfaticamente afirma: “Eu, por mim, declaro-te qual é a minha opinião: não estou convencido nem creio que a injustiça seja mais vantajosa do que a justiça, ainda que alguém deixe àquela a uma pessoa à solta, sem a impedir de fazer o que quiser. Mas, meu bom amigo, que uma pessoa seja injusta, que possa cometer injustiças ou pela fraude ou em luta aberta, mesmo assim o seu exemplo não me convence que isso é mais proveitoso para ela do que a justiça. Esta mesma impressão é talvez a de outros dentre nós, e não minha apenas. Convence-nos, portanto, ó meu bem-aventurado, e de maneira suficiente, que erramos, quando damos maior valor à justiça do que à injustiça.”
Para Sócrates os homens de bem não aspiram governar nem por causa das riquezas, nem das honrarias, porquanto não querem ser tratados por mercenários, exigindo abertamente a recompensa do seu cargo, nem de ladrões, tirando vantagem da sua posição. Também não desejam governar por causa das honrarias, uma vez que não as estimam. Força é, pois, que sejam constrangidos e castigados, se se pretende que eles consintam em governar; de onde vem que se arrisca a ser considerado uma vergonha ir voluntariamente para o poder, sem aguardar a necessidade de tal passo. Ora, o maior castigo é ser governado por quem é pior do que nós, se não quisermos governar nós mesmos. É com receio disso, que os bons ocupam as magistraturas, quando governam; e então vão para o poder, não como quem vai tomar conta de qualquer benefício, nem para com ele gozar, mas como quem vai para uma necessidade, sem ter pessoas melhores do que eles, nem mesmo iguais, para quem possam relegá-lo. Efetivamente, arriscar-nos-íamos, se houvesse um Estado de homens de bem, a que houvesse competições para não governar, como agora as há para alcançar o poder, e tornar-se-ia então evidente que o verdadeiro chefe não nasceu para velar pela sua conveniência, mas pela dos seus subordinados. De tal maneira que todo aquele que fosse sensato preferiria receber benefícios de outrem a ter o trabalho de ajudar ele aos outros. Opunha-se, portanto, á Trasímaco segundo o qual a justiça seria a conveniência do mais forte.
Instado a dar o seu depoimento sobre a afirmacão de Trasímaco: “melhor a vida do injusto do que a do justo”, disse Glauco, sem titubeio: “Considero que a vida do justo é a mais vantajosa”.